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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Heróis de infância - Parte 2

(Continuação...) Sentado à mesa sentia-me um ser de outro mundo. A cada brinquedo que surgia, em meio aos dedos afoitos de meus colegas, percebia que meu lugar não era ali.

Ainda mais quando surgiam os tais “Comandos em Ação”. Empunhados, um a um, pelos meus companheiros de mesa. Era sempre a mesma rotina ao final das aulas. Os bonecos simbolizavam os “heróis” do nosso mundo. Trajados com uniformes militares ou com roupas especiais, estavam prontos para a guerra. Mas eu não.

Traziam o escudo dos EUA no peito e uma águia tatuada no braço. Podiam tudo aqueles brinquedos aos meus olhos de criança. O portador de tais bonecos era como um “Deus”, alguém superior, que podia manipulá-los, fazê-los ganhar vida. Para isso, só precisaria comprá-los. O que não era tão simples assim para algumas crianças...

Eu estudava em escola particular, mas com muito esforço por parte dos meus pais. Éramos três lá em casa, o que deixava o orçamento ainda mais pesado. Nossos pais tentavam nos convencer de que, o fato de estarmos recebendo aquela educação, segundo eles, de “melhor qualidade”, já seria motivo de orgulho e sinal de um futuro promissor. Eu era muito jovem e não fazia o menor juízo sobre essas coisas.

Um dia, contudo, recebi uma lição de verdade naquela escola. A rotina, como descrevi, era sempre a mesma. Final de aula, todos pegando seus brinquedos para começar mais um ritual de comparações e concorrências do qual eu não participava, ou, pelo menos, não até certo dia.

No final de semana, meio sem querer, não é que eu havia achado na rua o tal do boneco? Isso mesmo. Era um “Comando em Ação”. De inicio achei apenas uma perna, andei mais alguns passos e lá estava o resto do corpo.

Lembro-me como se fosse ontem, meu pai colando a perna do meu mais novo “herói”. Ele estava sujo, pois o encontrei na areia da praia. As cores do uniforme de soldado estavam desbotadas e, ao contrário daqueles que eu costumava ver na escola, não tinha nada de especial.

Bem, mesmo assim resolvi levá-lo para aula no dia seguinte. Era o que eu tinha de melhor. Aliás, era o único que eu tinha. Antes de retirá-lo da mochila hesitei, mas logo aquele momento de dúvida deu espaço a uma excitação sobre o novo.

A possibilidade de, enfim, ser incluído no grupo sentado comigo à mesa era mais forte do que o medo. Arrisquei. Quando puxei o “Comando em Ação” da mochila meus colegas nem deram atenção. Como já estava acostumado, também resolvi ignorá-los.


De repente, alguém exclamou:

- Olhem. O boneco dele é de verdade!
-Ele deve ter vindo de uma guerra - disse o outro.
-Sim! Está como um verdadeiro soldado: sujo e com a perna quebrada - completou um terceiro.

Todos largaram seus brinquedos, mais bonitos e novos do que o meu, para conhecer o que eles identificavam como um "Comando em Ação de verdade". Aquele boneco salvou o meu dia.

Ele conseguiu ser um verdadeiro herói naquele momento - era tudo que eu podia compreender. O problema é ter de arranjar um igual todos os dias. Para minha tristeza a novidade acabou tão logo tocou a sirene da escola.

Essa é a lógica da sociedade de consumo. Não poupa nem mesmo as crianças. Se apresenta desde a mais tenra infância. A lição que se pode tirar de acontecimentos como esse é individual, mas o resultado será sempre coletivo.

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