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terça-feira, 28 de agosto de 2012

A babá eletrônica precisa de regulamentação

A televisão cumpre um papel estratégico no meio familiar. Além de fornecer informações sobre o tempo, o trânsito e os principais acontecimentos do dia, possui a capacidade de distrair as crianças enquanto os pais se dedicam a outros afazeres. A popularização desta prática fez com que a TV recebesse a alcunha de “babá eletrônica”. Assunto que foi tema do livro A criança e a TV: uma visão psicanalítica, de Raquel Soifer. A autora constatou que o uso do aparelho para entreter os pequenos não apenas prejudica a formação mental e a capacidade para assimilar o que é certo ou errado, mas também age na base das funções psíquicas, determinando o comportamento do indivíduo na fase adulta.

Sem regras normativas quanto à valorização da cultura nacional ou prioridade para a veiculação de conteúdos educativos, as emissoras de TV ficam livres para moldar as produções audiovisuais conforme o gosto publicitário. Essa prática é comum mesmo em canais de acesso público, já que muitos deles sofrem com a interferência de agentes governamentais ou financeiros em suas produções. Percebe-se, assim, a subordinação das concessionárias de televisão ao capital privado, já que os órgãos públicos atuam apenas para complementar o modelo comercial.

O primeiro aparelho receptor de sons e imagens chegou ao Brasil ainda na década de 1950, por intermédio do magnata das comunicações Assis Chateaubriand. Hoje, embora tenha evoluído bastante em aspectos técnico e estético, pouco tem conseguido se diferenciar da lógica produtiva utilizada há mais de meio século. Quando as primeiras atrações da TV Tupi caíram na graça do público, era comum que os programas fizessem referência direta aos seus patrocinadores. Além das produções jornalísticas de reconhecido prestígio, como o Repórter Esso, existiam algumas direcionadas especificamente às crianças, como o Teatrinho Kibon e o Circo Bombril.

Os interesses comerciais e o interesse público

Com a queda da emissora pertencente aos Diários Associados e a rápida ascensão da Rede Globo na década de 1960, a mensagem publicitária adaptou-se a uma nova realidade sem, no entanto, diminuir sua influência junto aos potenciais consumidores. Resultado de décadas de aperfeiçoamento, atualmente não é preciso que a novela leve o nome das marcas que são expostas durante o desenvolvimento da trama; basta associar os principais personagens ao produto que se pretende vender. Pouco importa se a mensagem é direta ou subliminar. O êxito consiste em introjetar nos telespectadores a necessidade de adquirir um novo bem de consumo.

Em busca da fidelização da audiência, as emissoras privadas ignoram os princípios que deveriam nortear a prática da comunicação social no Brasil. O capítulo 5 da Constituição Federal, em seu artigo 221, determina que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem estar destinadas a valorização da diversidade cultural, priorizando conteúdos educativos, artísticos, culturais e informativos”. Todavia, o comprometimento com o mercado e a falta de uma legislação específica capaz de regular esse processo, permite a sobreposição dos interesses comerciais ao interesse público.

Deformação de valores

Na atualidade, cultura e informação não passam de meros produtos expostos nas prateleiras da indústria cultural. Debates como a criação de mecanismos de responsabilização das mídias por violações de direitos humanos e o aprimoramento de mecanismos de proteção às crianças e aos adolescentes, ocupam apenas a intangível “Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil”, cuja repercussão junto à sociedade revela-se insuficiente. Sem avançar significativamente nesse debate, o governo de turno está cometendo um equívoco de grandes proporções.

A posição titubeante ao tratar da revisão do Marco Regulatório das Comunicações, praticamente inviabiliza a aplicabilidade das proposições expressas pela sociedade civil durante a realização da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em 2009. A baixa qualidade dos conteúdos provenientes das emissoras de TV é uma consequência da falta de regulamentação desta prestação de serviço. Tal fenômeno é parte integrante do modelo de televisão que está em curso no país. Esse processo impacta negativamente a interpretação dos fenômenos culturais, sociais, políticos e econômicos; resultando, ainda, na deformação de valores essenciais para o bom desenvolvimento das capacidades cognitivas.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

domingo, 26 de agosto de 2012

Em defesa da liberdade de expressão ou de empresa?

Com o fim do recesso parlamentar, tomaram posse os novos integrantes do Conselho de Comunicação Social (CCS). São, ao todo, 26 representantes, sendo a metade composta por titulares e, o restante, suplentes. O grupo é formado por membros de empresas de radiodifusão, entidades de classe e organizações ligadas à sociedade civil. No entanto, agindo de acordo com os interesses das empresas de radiodifusão, o presidente do Senado, José Sarney, deixou de incluir diversas organizações que lutam pela democratização da mídia no bojo dos representantes da sociedade civil.

Sarney convocou apenas alguns líderes parlamentares e, de forma antagônica aos princípios do próprio órgão em questão, fechou a nominata do CCS sem consulta prévia à sociedade. Dessa forma, mais uma vez, uma parcela significativa de movimentos populares e entidades de classe foram tolhidos do direito à participação nesse que poderia ser um importante espaço de discussão sobre os rumos da mídia nacional.

Entre os grupos midiáticos representados no Conselho, encontram-se os responsáveis pela formatação da estrutura oligopólica que, infelizmente, configura a comunicação brasileira. É o caso da Rede Globo, da Rede Record, do Grupo RBS e do SBT. Além de ocuparem as vagas destinadas a empresas de rádio e televisão, Rede Globo e SBT, por exemplo, dividem a vaga destinada ao “engenheiro com notório conhecimento na área de comunicação social”. Essa escolha contribui para reforçar a ideia de que apenas os profissionais da chamada “grande mídia” estão gabaritados a deliberar sobre assuntos de ordem técnica.

Liberdade de mercado

A contradição na escolha dos participantes do CCS fica ainda mais evidente quando se trata das vagas reservadas aos integrantes da sociedade civil. É possível identificar que os critérios da escolha não respeitam nem mesmo as normas da Constituição Federal. Um dos princípios básicos da Lei Maior determina que os brasileiros vivam em uma sociedade laica, na qual se observe a separação entre o Estado e a Igreja toda vez que forem tomadas decisões de ordem política. Mesmo assim, o arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani João Tempesta, não só ocupa uma das vagas destinadas à sociedade civil como foi nomeado presidente do Conselho. Além disso, João Monteiro Filho, radiodifusor da Rede Vida, ficou com outra vaga, das míseras cinco cadeiras reservadas a entidades civis.

No Brasil, em torno de seis famílias comandam os serviços de radiodifusão e, da forma como está sendo composto este dispositivo, poderão legislar em causa própria. O ideal seria equalizar estes espaços, dando vez e voz para os movimentos sociais, e não apenas para os empresários da comunicação. A não observação desses fatores pauta-se pelos interesses de mercado e marginaliza o interesse público.

Cotidianamente o tema da liberdade de expressão é distorcido pelas empresas de comunicação. A intenção é desqualificar o debate sobre a necessidade de regulamentação da mídia; na contramão do que tem ocorrido em outros países da América Latina. Em 2009, durante a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), deliberou-se avaliar o conteúdo das produções hegemônicas, criando-se mecanismos de responsabilização das mídias sempre que ocorresse algum tipo de violação dos direitos humanos – afinal de contas, tais empresas operam sob concessão pública.

Temendo represálias, a mídia comercial – que produz programação de baixíssima qualidade e não prima necessariamente pela responsabilidade social –, saiu em defesa de uma suposta “liberdade de expressão”, a qual, apenas em seu entendimento, estaria defendendo a possibilidade de comunicar-se livremente com o público. Na verdade, trata-se do velho e famigerado discurso em prol da liberdade de mercado. O objetivo dessas empresas é, tão somente, manter elevado o índice de audiência e estreitar a relação com os anunciantes. Assim, qualquer tentativa de impor limites éticos referentes aos conteúdos veiculados passa a ser chamada de “censura”. Outra vez acuados por interesses inescrupulosos, eles não pensaram duas vezes antes de calar a voz daqueles que lutam pela democratização da comunicação, sacando-lhes, estrategicamente, o direito de compor o CCS.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

terça-feira, 3 de abril de 2012

A rede transformada em antissocial

A prisão dos neonazistas Emerson Eduardo Rodrigues e Marcelo Valle Silveira Mello chama a atenção para um problema que está sendo recorrente, no Brasil, durante os últimos anos. O site do qual a dupla fazia parte – silviokoerich.org– costumava incitar à violência contra negros, mulheres, crianças, homossexuais e nordestinos. As agressões eram realizadas há mais de uma década. Nesse período, quase 70 mil denúncias foram ajuizadas junto ao Ministério Público Federal. Os detentos irão responder judicialmente por incitação à prática de crime (artigo 286 do Código Penal), publicação de fotografia pornográfica envolvendo criança ou adolescente (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90) e discriminação racial por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza (artigo 20 da Lei 7.716/89).

Menos de uma semana após Emerson e Marcelo serem presos, o site continuava operando normalmente, com mensagens direcionadas ao deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). Na última postagem, sob o título “Iremos matar Jean Wyllys e bombardearemos a parada gay”, os neonazistas conclamavam simpatizantes para discutir a suposta ação em uma comunidade do Orkut. Inclusive, o autor da convocatória foi enfático em afirmar que “por intermédio do fórum, seriam combinados os locais de encontro e distribuídas as armas”. Na semana anterior, a Polícia Federal (PF) descobriu que estava sendo organizado um atentado contra os estudantes do curso de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB), momento no qual resolveu agir.

Discriminação nas redes sociais

Embora o grupo tenha sido denunciado nas redes sociais, ainda possui quase dois mil seguidores no Twitter. Lamentavelmente, eles não são os únicos a alimentar essa versão pós-moderna da Schutzstaffel (SS) – nome dado a tropa de proteção nazista, cuja incumbência era defender os ideais de Adolf Hitler. A impessoalidade proporcionada pela utilização de fakes nutre uma sensação de onipotência, cuja máxima é a extensão das crenças cotidianas para um ambiente propício à virtualização do preconceito.

Recentemente, outros dois casos marcaram negativamente o uso dos sites de relacionamento. Em 2010, após a vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais, a estudante de direito Mayara Petruso dirigiu graves ofensas à população nordestina. Em junho de 2011, ela foi denunciada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Pernambuco (OAB-PE), mas o caso ainda não teve desfecho. A ação movida pela OAB-PE não foi suficiente para evitar que situações semelhantes voltassem a ocorrer. Em dezembro de 2011, após publicar diversos comentários racistas, a gaúcha Sophia Fernandes também foi acionada na Justiça, sendo oferecida denúncia ao Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul (MPF/RS).

Conforme revela um estudo publicado pelo portal Pragmatismo Político, a discriminação nas redes sociais é mais comum do que se pode imaginar. Um teste aplicado pela instituição mexicana Museu Memória e Tolerância comprovou a força do estereótipo na aceitação dos internautas. Utilizando-se de dois modelos para criar quatro perfis no Facebook – dois masculinos e dois femininos – e mantendo-se as mesmas características, exceto a cor da pele –, realizaram-se convites de amizade. Foi possível constatar que o perfil feminino caucasiano não sofreu nenhuma rejeição; diferente da outra personagem, com a pele mais escura. No caso dos homens, o preconceito ficou ainda mais evidente. O perfil masculino, com a pele clara, não encontrou problemas para adicionar amigos; já o análogo, negro, foi recusado por diversos usuários e recebeu quatro denúncias, ocasionando o cancelamento da conta.

Respeito à diversidade

Embora o artigo 5º da Constituição Federal estabeleça que “todos são iguais perante a lei”, discursos misóginos, racistas e homofóbicos estão presentes até mesmo em espaços onde deveriam ser combatidos, como tem ocorrido no Congresso Nacional. Além disso, não raras vezes, programas radiofônicos e televisivos – principalmente humorísticos – se amparam na ridicularização do homossexual e na vulgarização da mulher para tentar atingir altos índices de audiência.

O mau gosto na escolha do pseudoentretenimento tem razões socioculturais profundas, que são oficializadas sempre que iniciativas contrárias a sua naturalização sofrem constrangimento. Vale recordar o rebuliço em torno do kit anti-homofobia, que levou a presidente Dilma Rousseff a suspender sua distribuição, em maio de 2011. O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), um dos principais críticos da utilização desse material nas escolas públicas brasileiras, foi eleito, em 2010, com aproximadamente 120 mil votos, numa expressão preocupante de apoio às suas convicções.

Em situações como essa, recuar equivale a ser complacente. A superação das injustiças passa, inevitavelmente, por uma mudança radical não apenas no pensar, mas, sobretudo, no agir. Para tanto, o governo federal não pode titubear ante o ímpeto totalitário dos políticos conservadores. Por certo, a melhor medida seria colocá-los diante do espelho. Obrigá-los a deparar com os reais motivos de tamanha aversão ao que julgam ser “fora do normal” – a psicanálise ajuda a entender melhor este destempero. Implementar programas capazes de incentivar a valorização do ser humano e o respeito à diversidade é a única saída para modificar essa triste realidade. Caso contrário, pai e filho continuarão precisando pensar duas vezes antes de demonstrar afeto em público, pois, como se sabe, estão correndo sério risco de sofrerem agressões daqueles que, a bem da verdade, são incapazes de amar.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

terça-feira, 27 de março de 2012

Em busca da cidadania informativa

Ao explicar a formatação dos chamados “corpos dóceis”, Foucault alerta para o aprisionamento dos homens às proibições e obrigações impostas pela sociedade de controle. A tendência em sujeitar-se aos mecanismos de poder advém, segundo ele, da formação disciplinar aplicada pelas instituições de ensino desde a mais tenra infância. O aprendizado procedente do ambiente escolar – identificado por Paulo Freire como um processo de “educação bancária”, no qual o conhecimento é meramente depositado na mente dos estudantes –, está voltado para o mercado, e não para a construção do verdadeiro saber. Este último preza pelo pensamento crítico-reflexivo, utilizando-se do diálogo e da participação de toda a comunidade acadêmica em sua concepção.

Segundo a lógica dominante, caso uma criança deixe de ir à aula para ficar em casa apropriando-se da linguagem digital – única capaz de atraí-la, por estar diretamente relacionada à sua materialidade social e psíquica – deverá ser punida pela escola e pelos pais. Contudo, ao gravar áudios, produzir e editar vídeos, ler sobre temáticas de seu interesse e escrever sobre experiências pessoais em blogs, ela está exercitando potencialidades cognitivas, e não – como equivocadamente se pensa – deixando de fazê-lo. Somente quando se consegue compreender que a educação não requer sofrimento e rigor disciplinar pode-se colaborar para a formação de indivíduos capazes de interpretar a realidade que os cerca.

Alternativas ao modelo

O avanço tecnológico influi diretamente na constituição dos códigos educacionais. Sendo assim, ao invés de proibir o uso do aparato digital no ambiente escolar – prática comum entre as instituições de ensino –, seria mais interessante utilizá-lo como ferramenta pedagógica. Hoje, quando a criança está em contato direto com a tecnologia digital, construirá um espaço de conformação dos bens simbólicos de seu interesse independente do incentivo de pais e professores. Daí a necessidade de aceitar a naturalidade desse processo e associá-lo aos conteúdos trabalhados em sala de aula. Conforme revela o legado deixado por Paulo Freire, somente pela ação dialógica se constrói, de fato, o conhecimento teórico e prático, com vistas à transformação social.

Em meio a esse cenário, chama a atenção uma pesquisa realizada pela ONG Ação Educativa, de São Paulo, intitulada “Que Ensino Médio Queremos?”. Ao serem questionados sobre o interesse no conhecimento adquirido na escola, 59% dos entrevistados disseram que nem sempre se sentem instigados pela didática oferecida. O principal anseio dos jovens não é aprender, mas sim, “aprender a querer aprender”. Cabe aos profissionais da área ajudá-los a pensar por si próprios, o que só é possível desenvolvendo junto aos educandos métodos de aprendizagem condizentes às suas aptidões.

Em 2008, a partir de uma iniciativa do Ministério da Educação (MEC), passaram a ser ofertadas oficinas de educomunicação nas escolas da rede pública de ensino. Através do projeto “Mais Educação”, estão sendo promovidas ações sócio-educativas durante o contra-turno escolar, as quais incluem a educação para a mídia. O uso da rádio-escola, por exemplo, representa mais do que a simples apropriação da técnica de transmissão radiofônica, pois coloca em evidência a possibilidade de promover novas propostas de comunicação. No entanto, tal prática requer uma conjugação de esforços. Além de ser capaz de identificar a ideologia presente nos conteúdos midiatizados, é preciso que os jovens se sintam motivados a construir alternativas ao modelo apresentado pela mídia hegemônica.

A regulamentação da comunicação

No final dos anos 1970, através da Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, a Unesco formulou um relatório que discutia essa questão. A Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic) preocupou-se em desenvolver estratégias capazes de libertar os países latino-americanos do imperialismo cultural estadunidense. Com esse intuito, emergiram inúmeras iniciativas, com destaque para a Associação Brasileira de Vídeo Popular (ABVP), que se fez presente em todo o país durante a década de 80. Se, ainda hoje, as mobilizações em torno de uma comunicação mais justa e solidária não se consolidaram – devido à forte influência ideológica que as indústrias de comunicação exercem sobre o público – é preciso evidenciar, ao menos, o mérito dos movimentos sociais em inserir o debate sobre a democratização da mídia na agenda política nacional, como ocorreu, em 2009, por intermédio da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom).

O projeto proposto pelo MEC, somado a alguns outros – de âmbito local ou estadual – tem, ao menos, modificado a relação estabelecida entre a escola e as tecnologias de informação e comunicação. O programa do governo federal está sendo implementado em ambientes de ensino com baixo IDEB – índice que mede o desenvolvimento das escolas brasileiras. Quando teve início, em 2008, eram apenas 55 municípios e 386 mil estudantes participando das oficinas. Dois anos depois, já contabilizava mais dois milhões de jovens cadastrados. Em 2012, a meta é agregar 4,5 milhões de estudantes, fazendo-se presente em aproximadamente 3,5 mil municípios.

Cabe ao Estado, portanto, promover a inserção de disciplinas específicas para a análise critica da mídia nas escolas, aliando a esse processo uma renovação nos métodos de ensino, os quais precisam estar voltados para a atual realidade tecnológica. Mesmo longe de solucionar a demanda por uma comunicação livre e independente, projetos que incluam a educomunicação no macro-campo das ações pedagógicas possibilitam a conscientização dos jovens quanto à necessidade de regulamentação da comunicação no Brasil. Assim, torna-se possível o avanço das políticas nesta área, pois se retira a discussão do âmbito legislativo realocando-a ao principal espaço capaz de influir na tomada de decisões do governo.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

É preciso abortar a grande mídia

Nas últimas semanas, os jornais Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo reacenderam a polêmica discussão sobre a legalização do aborto. Segundo revela a cobertura realizada pelos representantes da mídia conservadora, é dispensável ter formação acadêmica e experiência comprovada na área para tratar do tema. Posição esta evidenciada pelo tratamento que está sendo dado à ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), Eleonora Menicucci de Oliveira. Sob esta práxis político-comunicacional, cria-se uma cortina de fumaça, encobrindo pontos conflituosos e assegurando o discurso único, no qual apenas os interesses da bancada evangélica e dos setores conservadores da igreja católica ganham destaque.

Não se debate seriamente a questão. O assunto se dá por encerrado antes mesmo de ter começado a ser discutido. Esta lógica é facilmente aceita pelo conjunto da população. Afinal, neste caso, o pensamento comum determina: se a pessoa é a favor da vida, é contra o aborto e, logicamente, contra a legalização desta prática. Quem ousa discordar ou não aceita esta formulação na íntegra é porque não preza o direito à vida. Sendo assim, as poucas vozes dissonantes encontram-se na marginalidade. Estando no limbo, tais opiniões pouco importam e, no mais das vezes, são apenas manipuladas para reforçar a posição dominante.

Ora, um dos princípios fundamentais da concepção de uma boa reportagem é, justamente, o exercício do contraditório. Esta palavrinha, embora não goze de muita simpatia nos veículos hegemônicos, torna-se fundamental para evitar a perigosa formação do consenso. Não faltam exemplos, na historiografia nacional e internacional, de situações nas quais a ausência de pensamentos divergentes acabou refletindo em práticas autoritárias, ocasionando o cerceamento da liberdade de expressão. Ao não se deixar levar pelos preceitos despóticos que regem os editoriais da grande mídia, a ministra Eleonora Menicucci está desagradando, e muito, os grupos de comunicação dominantes, cujo papel primordial tem sido o de porta-voz de um moralismo exacerbado.

“Mal amada” e “irresponsável”

Recentemente, acuada pela perseguição midiática, a ministra, que assegura ser a favor da descriminalização do aborto, teve de dar uma resposta capaz de apaziguar os ânimos com as famílias Frias e Mesquita. Momento no qual preferiu enfatizar sua obediência às deliberações do governo de turno, e não mais os argumentos que tem sustentado ao longo de sua trajetória de militância. A presidente Dilma Rousseff, por sua vez, vem reforçando desde o período em que este assunto entrou em pauta, ainda na campanha presidencial, que é contrária à interrupção natural de uma gravidez.

Mas as duas declarações parecem não convencer a oposição e seus súditos da imprensa, os quais se utilizam de uma entrevista concedida à Folha de S.Paulo, em 2007, para reforçar a tese de que o atual discurso da presidente não seria confiável. Na época, a então ministra-chefe da Casa Civil disse ser a favor da descriminalização do aborto.

A sutil diferença entre defender a descriminalização e ser favorável à banalização do ato em si acaba sendo tendenciosamente escamoteada pelos meios de comunicação. No início de fevereiro, a Folha de S.Paulo descreveu a nova ministra de Dilma como sua “ex-companheira de prisão”, revelando objetivos sórdidos, escondidos por trás da suposta objetividade jornalística. Para não ficar atrás, ao tratar do mesmo tema, o Estadão deu destaque ao pensamento de fervorosos defensores do celibato como principal método anticoncepcional, deixando a informação inconclusa. Segundo estes últimos, a socióloga sanitarista – com passagem como docente pela antiga Escola Paulista de Medicina (EPM), hoje chamada de Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – não passa de uma mulher “mal amada” e “irresponsável”. Adjetivos que demonstram, além da falta de argumentos capazes de justificar a manutenção da atual legislação, o nível do debate que estão dispostos a fazer.

Cegueira oportuna

Não houvesse distorções na exposição das ideias contrárias à posição sustentada pelos jornais paulistas, seria possível diferenciar a defesa sobre a descriminalização da prática abortiva e o incentivo ao aborto como método contraceptivo. Argumentar que a legalização ocasionaria uma “carnificina” ou prejudicaria “programas de prevenção à gravidez indesejada”, como fez o então candidato à Presidência da República José Serra em 2010, é desconsiderar a possibilidade dessa medida emergencial ser capaz de reduzir o número de mortes ocasionadas pelo aborto clandestino. Não fosse assim, tal prática não ocuparia o quarto lugar no ranking dos principais motivos de morte materna, no Brasil. Sendo, além disso, a quinta causa de internação pelo SUS – conforme o próprio Estadão publicou, sem tanto destaque.

Embora o artigo 128 do Código Penal brasileiro assegure o direito ao aborto em pelo menos duas situações – quando não existe outro meio de salvar a vida da gestante ou caso a gravidez seja resultado de estupro – ainda são penalizadas as práticas previstas no artigo 124, seja pelo autoaborto ou pelo aborto consentido. No entanto, mais do que uma questão judicial, trata-se, conforme a ministra Eleonora tem procurado explicar, de um grave problema de saúde pública, o qual, se for reduzido apenas a questões de ordem moral, religiosa ou jurídica, certamente continuará contribuindo para mais mortes do que a cegueira oportuna da mídia oposicionista permite enxergar.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Restabelecer a exigência do diploma é a saída

O fim da exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista, conformado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho de 2009, atende aos interesses de uma minoria, contribuindo para a flexibilização das relações de trabalho e, em decorrência, o aumento do desemprego. Recentemente, o jornal Folha de S.Paulo demitiu dezenas de profissionais, sob o pífio argumento de que precisaria enxugar seu quadro funcional. Segundo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, a alegação é injustificada, pois o faturamento daquela empresa só tem aumentado nos últimos anos.

Estas práticas contribuem para a fragilização da categoria, propiciando aos empresários da comunicação realizarem acordos trabalhistas cujo interesse é assegurar lucros crescentes. O piso salarial do jornalista, no estado de São Paulo, corresponde a R$ 1.940,00 reais, por cinco horas diárias de trabalho. Se tal valor é baixo, a incorporação de freelancers e a utilização de estagiários implicam uma economia ainda mais significativa nos gastos com mão de obra qualificada. Obviamente, isto não atende aos interesses da população, pois é reforçada a massificação desta atividade, cada vez mais menosprezada pelos donos da mídia.

Mudança de foco

O discurso hegemônico procura introjetar no senso comum a ideia de que, como todos são livres perante a lei, não pode haver restrições quanto à produção de conteúdos. Segundo esta perspectiva, qualquer tentativa de cercear este direito seria uma afronta à liberdade de expressão e de imprensa, o que evidencia apenas o que há de superficial neste debate. Os jornalistas profissionais não são contrários à livre produção de conteúdos, sobretudo considerando a crescente popularização da internet e a pluralidade de blogs e plataformas de distribuição de vídeo, que, em alguma medida, contribuem para democratizar a comunicação.

Acontece que muitas produções pretensamente alternativas apenas reproduzem a lógica da indústria cultural, sem romper com seu discurso e reafirmando seu padrão tecnoestético. Já a luta pelo retorno da exigência do diploma pode contribuir para assegurar o contrário, legitimando um grande número de profissionais que participa de projetos comunitários e emprega sua força de trabalho na produção de conteúdos verdadeiramente alternativos e na formação de repórteres populares. Isso busca subverter a pseudoverdade absoluta vendida pela grande mídia e apresenta um olhar diferenciado dos fatos.

Formação em série

É importante salientar que a formação superior precisa ser apurada, inclusive em comunicação. Dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) indicam que, em 2009, 15% dos jovens brasileiros não tinham habilidades de leitura e escrita coadunadas com as exigências de suas respectivas escolaridades. Por isso, a necessidade de formação acadêmica, considerando seus problemas e perspectivas, abrangendo a discussão dos princípios do Jornalismo, que, se conduzida por profissionais sérios e comprometidos com os desafios da comunicação, pode incentivar o desenvolvimento da criatividade e da prática investigativa.

Nesse sentido, é preocupante perceber que a proposta dos empresários, permitida pelo STF, está embasada na possibilidade de formação fornecida pela empresa. Os próprios “manuais de redação” representam meras cartilhas de uniformização e regramento, as quais precisam ser seguidas pelo “jornalista”, ao produzir uma matéria. Não obstante, ser jornalista é mais do que isto. Assim, quando os empresários da comunicação colocam-se frontalmente contra a exigência do diploma estão contribuindo para a manutenção do discurso único, mesmo ao tergiversarem e insinuarem que estão agindo em nome do interesse público.

As Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que restauram a exigência de diploma de jornalista, em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, constituem-se em movimentos de suma importância para o país. Várias cidades jáaprovaram projetos de lei que obrigam os órgãos públicos a contratar somente jornalistas com graduação na área para o exercício da profissão. Embora ainda seja pouco, estes movimentos sinalizam que a discussão pode acirrar-se. A batalha está só começando e, tal qual tem ocorrido com o debate sobre a criação de um novo marco regulatório para a mídia, está longe de se esgotar.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Sem controle sobre a privacidade

A cada mês, o brasileiro costuma ficar, em média, 69 horas diante da tela do computador, o que equivale a mais de duas horas por dia. Na maior parte do tempo, este uso é dedicado a serviços do Google, como Gmail e YouTube, ou ainda, aos sites de relacionamento, em especial o Facebook. Aliás, recentemente, a rede social de Mark Zuckerberg ultrapassou o Orkut em número de usuários registrados. Em agosto de 2011, enquanto o site de relacionamentos do Google apresentava 29 milhões de perfis cadastrados, o mega empreendimento do ex-estudante de Harvard já contava com 30,9 milhões. De acordo com o analista de redes sociais Nick Burcher, atualmente o Brasil ocupa a quarta posição no ranking de usuários do Facebook em todo o mundo, com mais de 35 milhões de perfis ativos.

Temendo este avanço, a partir do dia 1° de março – caso a União Européia (UE) não barre as mudanças previstas – o Google adotará uma nova política de privacidade, que o possibilitará entrar de vez na briga com o Facebook pela oferta de publicidade segmentada. Mas, por trás da unificação dos termos de 60 serviços da empresa, está a discussão sobre a perda acelerada e constante de privacidade na rede. Com os dados de cada um dos usuários atuando de forma integrada, os sites conseguem cruzar informações pessoais com muita agilidade. Podendo utilizá-los para fins comerciais e, até mesmo, políticos. Através do banco de dados é possível, por exemplo, identificar e carregar junto à página de serviços uma série de anúncios contendo propaganda dirigida a usuários específicos.

O perfil do usuário desde o seu nascimento
Em maio de 2011, Julian Assange, criador do site Wikileaks, acusou o Facebook de ser uma “terrível máquina de espionagem” a serviço do Estado norte-americano. Além de recomendar produtos, sugere “amigos” e opções para “curtir” de maneira muito perspicaz, revelando saber o perfil exato do usuário cadastrado. A rede social, que, inclusive, foi tema do filme The Social Network, arrecadando US$ 46 milhões de dólares durante as primeiras semanas de exibição nos cinemas dos Estados Unidos, conhece os eventos para os quais cada um é convidado, suas preferências políticas, quem são seus melhores amigos e principais interesses.

Em breve, o site de relacionamentos mais famoso do mundo investirá em um novo formato, chamado de “linha do tempo”. Este recurso permite ao site traçar o perfil do usuário desde o seu nascimento. Mesmo que a mudança tenha sofrido uma rejeição de mais de 90%, segundo estudo realizado pela companhia de segurança Sophos, deverá ser imposta já nas próximas semanas. Até porque, não há motivos para Zuckerberg se preocupar com uma possível perda de seguidores. No mundo dos negócios, a rede social vai muito bem. As ações do Facebook estão cotadas, na Bolsa de Valores dos Estados Unidos, ao custo de US$ 5 bilhões. De acordo com agências de notícias internacionais, trata-se de um recorde no investimento feito por uma empresa de internet, podendo este valor ainda dobrar.

Estratégias de resistência
Diante desse quadro, é de se pensar o quanto o uso das redes sociais tem, de fato, contribuído para a democratização da comunicação e a liberdade de expressão. Existe uma euforia muito grande em torno do potencial supostamente revolucionário dos chamados sites de relacionamento. Para alguns, é o resultado de uma espécie de globalização contra-hegemônica, a qual, supostamente, faz uso dos serviços criados pelas corporações capitalistas com o objetivo de corroer o próprio sistema que os engendrou. É o acesso ao intangível, sem esforço ou perigo aparente de constrangimento. Em pouco mais de dois cliques é possível aderir ao abaixo-assinado em favor das ocupações de terra do MST e, contraditoriamente, tornar-se um latifundiário virtual no FarmVille; aceitando ao convite de um “amigo” sem jamais jogar o game.

É preciso refletir sobre quem realmente (e, também, virtualmente) está no comando. Não seria do interesse das corporações privadas e do governo estadunidense criar um sentimento coletivo de ativismo digital, quando, na verdade, não fazem mais do que conhecer melhor seu potencial consumidor ou inimigo político? Enquanto os usuários se deixam guiar pelos hiperlinks, sem maiores preocupações, os gigantes da internet estão disputando para saber quem irá manipular o próximo clique, a próxima escolha. Estão fiscalizando o próximo passo. Conhecem, em detalhes, as estratégias de resistência ao capitalismo global.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O veneno político-partidário

Os sucessivos abusos de autoridade, sobretudo no estado de São Paulo, revelam quem manda neste país e quais valores estão em jogo. As autoridades não admitem, mas, no Brasil, o direito à moradia vale menos do que a especulação imobiliária e o ser humano só se torna cidadão em época de eleições. Em um contexto como esse, os interesses comerciais do empresário Naji Nahas, acusado de crime do colarinho branco e formação de quadrilha, são tratados como prioridade pelo governo tucano, contando com a complacência da Presidência da República e o silêncio da chamada grande mídia. Mas a forma como se deu a desocupação de Pinheirinho, em São José dos Campos, não é apenas injusta; trata-se de um resultado prático da disputa político-partidária.

Quando existe comprovada omissão do município para regularizar áreas como essa, a legislação vigente permite a intervenção da União. No entanto, o governo federal preferiu partir para uma negociação acanhada, como quem pede licença para fazer o que precisa ser feito. O próprio ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, após classificar a reintegração de posse como “uma praça de guerra”, voltou atrás. Em entrevista ao G1, Carvalho disse não querer criticar diretamente o governo de São Paulo.

Seguindo esta lógica, a presidente Dilma Rousseff nada fez para evitar a barbárie em Pinheirinho. Optou por uma tática característica da suposta democracia representativa, em curso hoje no Brasil. É simples: custe o que custar e doa a quem doer, é preciso desgastar a oposição. Assim, julgam as cúpulas partidárias, será possível obter êxito nas próximas eleições. Porém, tanto nos ataques da blogosfera governista ao governo tucano, quanto na resposta dos articuladores servis da mídia corporativa que operam em defesa de Alckmin e Cury, é possível estabelecer um consenso: a ação era iminente e o governo federal poderia evitá-lo, caso houvesse mais zelo pelos moradores da área desocupada.

Efeitos colaterais

No final do século 19, ao prenunciar as condições necessárias para a transformação social – descritas com esmero em A ideologia alemã –, Marx e Engels evidenciaram que “o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a história, é que todos os homens devem estar em condições de viver para poder fazer história”. Mas, para que isso ocorra, “é preciso antes de tudo comer, beber, ter moradia, vestir-se e algumas coisas mais”. Sendo assim, não apenas a política de “higienização” do estado de São Paulo, como também os programas assistencialistas promovidos pelo governo federal, cumprem funções ideológicas. Ambos não possuem caráter conclusivo, apenas paliativo e estratégico.

As ações violentas e as omissões ardilosas que culminaram na prisão dos estudantes da USP, na excomunhão dos usuários de drogas da Cracolândia e na desocupação de Pinheirinho estão direcionadas para conter aquilo que o cientista social Howard Becker identificou como outsiders, ou ainda, “desviantes”. Eles são tachados de “maconheiros”, “loucos” e “invasores” pelos principais meios de comunicação, pois com isso qualquer medida extrema pode ser justificada junto à sociedade.

Cada grupo, a seu modo, transgride as leis, repudiando as regras morais da convenção. Tornam-se perigosos quando aprendem a agir coletivamente, convencendo os demais da importância de resistir aos abusos de poder. Por isso, são agredidos, presos e expulsos dos locais onde se sentem incluídos, evidenciando claramente as contradições do modo de produção vigente e as brechas de sua potencial decadência, cuja práxis é justamente a exclusão.

Exigir a desocupação militar de um campus universitário, fazer valer o direito de ter um local para viver dignamente, ou ainda utilizar substâncias ilícitas – em ambientes capazes de chamar a atenção das autoridades (inclusive internacionais) – funciona como um grito de socorro coletivo. São os efeitos colaterais do sistema capitalista, cuja desigualdade social ajuda a proliferar miséria e o caos na mesma medida que insufla a desobediência civil.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A arte de escrever fazendo amor

Querer escrever e não conseguir é como ter negado o último suspiro de vida. Quem escreve por profissão sabe que o faz porque precisa sobreviver. É o seu “ganha pão”. O poeta, ao contrário, escreve por temer a morte. Não quer passar sem ser visto; nem deixar o espaço de tempo, onde habita, sem um “todavia”. Despreza o “portanto”, tão caro aos comunicadores. Sendo direcionado pelas dúvidas e com poucas conclusões, formula os melhores textos. Não são como este. Nada possuem de explicativo. Procuram confundir. Fazer pensar.

Sentir-se renovado, após a leitura de algumas linhas, é como receber uma nova chance. Se estiver tudo nebuloso, até o contato com as letras, não importa. Daquele momento em diante algo se modifica. Desperto, o sentimento instiga. Aliás, mesmo quando o assunto não causa interesse, manifesta-se, sem dúvida, uma reação. Nem que seja o desprezo. Janela que se fecha, no computador. Folha que se move em direção à próxima página, nos impressos.

Letras não reclamam. Não choram. Quando reunidas por sentimentos, precisam se esforçar para atrair, prender a atenção e comunicar. Frases, mesmo ao expressarem dramas, não impactam como a imagem. Causar comoção ao escrever é uma arte para poucos. Por isso, em sua grande maioria, os jornalistas – artistas do efêmero – muitas vezes apelam para a escrita vulgar. Não são poetas. São, em sua essência, levados a serem prolixos. Embora também não sejam visionários têm a incumbência de prognosticar o futuro.

Mas, se as notícias fossem feito poesia, talvez houvesse mais verdades e menos eufemismos. Se escrever textos fosse como fazer sexo, a curiosidade seria atiçada desde cedo. Quem sabe falte aos jornalistas (e, nestes, me incluo) flertar com as pautas que realmente interessam; obviamente considerando os limites e complicações desta escolha. Quando as letras conseguem se insinuar certamente atingem a libido do leitor com mais força do que as imagens. Afinal, cada um pode imaginar – ou interpretar – ao seu modo. “No entanto”, todo manual de redação, que se preze, irá bradar: “mas, em meio a tudo isso, onde fica a objetividade?”

Concordo. Não há como negar. Poesia e notícia são formas diferentes de transmitir informações, ou melhor, sentimentos. Agora, é indispensável deixar claro, desde o início, que, cada notícia, é apenas uma versão do fato tornada pública. Uma, das tantas que existem. O problema é que, geralmente, o jornalista deixa-se levar pela “posição” mais cômoda, pondo em risco o seu “casamento” com a escrita. Para ficar mais interessante, deveria variar, sabendo que esta decisão não pode ser tomada sozinha. Seguir a voz do leitor e deixar-se guiar pela verdade daquele momento, conjuga-se no respeito necessário à formulação da matéria.

O leitor precisa estar de acordo com a escolha do repórter. Não pode ser violentado pela informação. Algumas posições podem ser rechaçadas desde o começo. Isso é compreensível. O melhor é ser honesto. Deve-se dar o direito à escolha para os leitores. Hoje, infelizmente, esta decisão está restrita ao conservadorismo de poucas famílias (Marinho, Civita, Frias, Mesquita e Sirotsky – para citar as principais). É o famoso “papai e mamãe” da comunicação. Caso não haja cumplicidade entre todos os envolvidos com a escrita, a tendência é acabar tudo em uma frustrante brochada.

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