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terça-feira, 13 de maio de 2014

A ideologia e a ‘comilança’ de bananas

O sentimento, ao que parece, é de satisfação pessoal. Jogadores de futebol, artistas, políticos, formadores de opinião e o público em geral estão realizados com o que julgam ser o mais autêntico combate à discriminação racial. E isso, é bom que se diga, em ano de Copa do Mundo no Brasil. Mas, conforme determina o funcionamento da sociedade de consumo, para “saciar” o preconceito é preciso muito mais. Deve-se, sobretudo, satisfazer os interesses de mercado, fazendo com que o assunto, pouco a pouco, caia no esquecimento. Como tem sido possível observar nas últimas semanas, o ato compulsivo de comer bananas – associado à imagem de figuras conhecidas que fazem uso da hashtag #somostodosmacacos –, não opera apenas no nível narcísico de um suposto ativismo digital, como também transfere a responsabilidade dos meios de comunicação em debater criticamente o tema.

Ao invés da produção de programas de rádio e TV comprometidos em problematizar os últimos acontecimentos, envolvendo os casos de racismo no futebol, sobressaem campanhas despolitizadas e egocêntricas. Sem refletir sobre as causas do racismo, a indústria da cultura parece ter achado o seu antídoto para a discriminação: “deixar fazer, deixai ir, deixai passar”, ou seja, uma rearticulação cínica do laissez-faire, expressão-símbolo do liberalismo econômico.Ora, se os jogadores de futebol agredidos são, em sua maioria, ricos e bem-sucedidos financeiramente – como é o caso do jogador Daniel Alves –, a lógica do mercado pode indicar um “caminho criativo” para tratar da questão, bem ao gosto da economia liberal.

A crença na ilusão

No livro Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia, um dos principais pensadores da atualidade, o filósofo Slavoj Žižek, problematiza a fantasia ideológica, sem a qual, segundo ele, seria equivocado pensar a forma de estruturação da realidade. Essa ilusão, conforme explica, é que determina “o fazer” de cada um. Cai por terra, portanto, a fantasia sustentada pela sociedade de consumo que propõe a existência de uma sociedade pós-ideológica.

O autor irá demonstrar que a definição marxista de ideologia – “disso eles não sabem, mas o fazem” –, não pode ser apenas reformulada por uma espécie de razão cínica, como propõe Peter Sloterdijk, em outro livro, a Crítica da razão cínica. Este último argumenta que o método crítico-ideológico mudaria a assertiva marxista para: “Eles sabem muito bem o que estão fazendo, mas mesmo assim o fazem.” Žižek discute esse paradoxo e propõe que ele precisa ser visualizado sob outro ponto de vista. Segundo ele, a manifestação da ideologia, na sociedade contemporânea, seria colocada nos seguintes termos: “Eles sabem que, em sua atividade, estão seguindo uma ilusão, mas fazem-na assim mesmo.”

Não é a toa que, ao ser acusado de estar querendo tirar proveito do acontecimento envolvendo o lateral da seleção brasileira, o apresentador Luciano Huck – dono da marca Use Huck –, tratou de se posicionar sob o escudo da responsabilidade social. Seguindo uma ilusão, Huck acredita que, ao estampar uma camiseta com o mote da campanha, estaria tão somente contribuindo para combater o racismo. Sua tese ampara-se no fato de que toda a renda desta iniciativa seria destinada ao terceiro setor. Mesmo de forma inconsciente, o apresentador da Rede Globo sabe que toda valorização indireta da marca pode auferir lucros ainda maiores ao seu empreendimento em função de um suposto compromisso com causas sociais, mas parece não ser capaz de trazer esta relação lógica para o nível da consciência.

Manifestação cínica

É assim, amparados na ilusão cínica, com a qual a ideologia se articula e opera nos dias de hoje, que os que se dizem combatentes da discriminação racial continuam reforçando estereótipos. Não propõem nenhuma discussão sobre como os negros são representados nos meios de comunicação e o quanto essa relação está intrinsecamente relacionada às agressões que sofrem no dia a dia; não apenas nos campos de futebol da Europa, mas, principalmente, nos “campos” profissional e acadêmico, aqui mesmo, no Brasil.

Antes de sair copiando o “comilão” preferido e postando fotos em redes sociais, seria bom que cada um se perguntasse o que eles pensam a respeito das cotas raciais e dos projetos de lei que, mesmo timidamente, buscam penalizar quem comete crimes contra negros, homossexuais e mulheres. Os fãs de Luciano Huck, Ana Maria Braga, Maria da Graça Meneghel, Gaby Amarantos, Ivete Sangalo, Michel Teló, Dinho Ouro Preto e outros tantos têm o direito de saber, também, qual a opinião de seus ídolos a respeito dos programas humorísticos da Rede Globo, emissora de TV destinada a vender cuidadosamente essas forças de trabalho.

O quadro do dejeto audiovisual conhecido por Zorra Total, por exemplo, costuma reiteradamente estereotipar o público negro, mas, a exemplo de Luciano Huck, os artistas afinados com o padrão global parecem não ser capazes de estabelecer qualquer relação de contradição entre a prática supostamente ativista e a atividade supostamente artística que desempenham, cuja lógica – notadamente preconceituosa e servil – os submete aos interesses do mercado.

Sem perceber, ou fingindo não saber, o certo é que a postura dos artistas – e demais articuladores da campanha #somostodosmacacos – esbarra no limite da ilusão, criada por eles mesmos, de que estariam lutando contra o preconceito racial, quando, na verdade, estão contribuindo para a massificação de uma leitura equivocada do combate ao racismo.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

domingo, 31 de março de 2013

Ainda em busca da verdadeira democracia


Com o golpe militar no Brasil, em 1964, a repressão política - referendada pela Lei de Segurança Nacional - perseguiu, torturou e matou diversos militantes de esquerda. Seus crimes? Na verdade, apenas um: acreditar na transformação da sociedade por intermédio de uma revolução socialista. Alegando "evitar a instauração de uma ditadura comunista”, os militares perseguiram, sequestraram, torturaram e assassinaram quem não estava disposto a servir aos interesses do imperialismo norte-americano.

Resultado desse processo arbitrário e despolitizante, as organizações sociais são vistas -  até hoje - com maus olhos por uma parcela significativa do povo brasileiro. Para o senso comum, todo movimento organizado que se oponha – verdadeiramente – ao poder representa uma ameaça.  Nos nossos dias, a repressão está maquiada. É patrocinada pelo mercado e conta com a cumplicidade do Estado. Basta considerar o fato de que tanto o governo quanto a população permitem  – por voto ou nomeação – que as forças  golpistas continuem atuando nas esferas de poder.

Durante a Ditadura Militar, a fúria ignorante da repressão levou não somente vidas; adiou  sonhos, embruteceu jornadas de trabalho, distorceu a realidade e perpetuou uma forma estúpida de nos relacionarmos entre si e com o mundo (seja pela alienação da atividade laboral, seja pela culpabilidade ao ócio, ao lazer e ao prazer).  Não se discute que a democracia conquistada é resultado de resistência e luta, mas - esta mesma democracia - ainda está longe de representar igualdade de oportunidades e direitos.

Não há possibilidade real de mudança sem afastar os fantasmas do autoritarismo e da desigualdade social. É preciso mais do que discursos em época de eleição. Mais do que mobilizações pontuais e fragmentas, pela internet ou em pequenos grupos de interesses, que tomam as ruas em busca de justiça. A boa notícia é que, aos poucos, a história vem cobrar a verdade dos fatos.

Não há tecnologia suficiente para mascarar a dor  silenciada pela tirania. Os interesses do mercado necessariamente se chocam com as reais necessidades da população. A repressão – embora atuante por meio dos aparelhos do Estado e das estruturas de poder do Mercado – está sob constante ameaça. Precisamos ser solidários às  lutas dos outros. Daí por diante, sabe-se lá quando, poderemos falar em democracia direta.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

A babá eletrônica precisa de regulamentação

A televisão cumpre um papel estratégico no meio familiar. Além de fornecer informações sobre o tempo, o trânsito e os principais acontecimentos do dia, possui a capacidade de distrair as crianças enquanto os pais se dedicam a outros afazeres. A popularização desta prática fez com que a TV recebesse a alcunha de “babá eletrônica”. Assunto que foi tema do livro A criança e a TV: uma visão psicanalítica, de Raquel Soifer. A autora constatou que o uso do aparelho para entreter os pequenos não apenas prejudica a formação mental e a capacidade para assimilar o que é certo ou errado, mas também age na base das funções psíquicas, determinando o comportamento do indivíduo na fase adulta.

Sem regras normativas quanto à valorização da cultura nacional ou prioridade para a veiculação de conteúdos educativos, as emissoras de TV ficam livres para moldar as produções audiovisuais conforme o gosto publicitário. Essa prática é comum mesmo em canais de acesso público, já que muitos deles sofrem com a interferência de agentes governamentais ou financeiros em suas produções. Percebe-se, assim, a subordinação das concessionárias de televisão ao capital privado, já que os órgãos públicos atuam apenas para complementar o modelo comercial.

O primeiro aparelho receptor de sons e imagens chegou ao Brasil ainda na década de 1950, por intermédio do magnata das comunicações Assis Chateaubriand. Hoje, embora tenha evoluído bastante em aspectos técnico e estético, pouco tem conseguido se diferenciar da lógica produtiva utilizada há mais de meio século. Quando as primeiras atrações da TV Tupi caíram na graça do público, era comum que os programas fizessem referência direta aos seus patrocinadores. Além das produções jornalísticas de reconhecido prestígio, como o Repórter Esso, existiam algumas direcionadas especificamente às crianças, como o Teatrinho Kibon e o Circo Bombril.

Os interesses comerciais e o interesse público

Com a queda da emissora pertencente aos Diários Associados e a rápida ascensão da Rede Globo na década de 1960, a mensagem publicitária adaptou-se a uma nova realidade sem, no entanto, diminuir sua influência junto aos potenciais consumidores. Resultado de décadas de aperfeiçoamento, atualmente não é preciso que a novela leve o nome das marcas que são expostas durante o desenvolvimento da trama; basta associar os principais personagens ao produto que se pretende vender. Pouco importa se a mensagem é direta ou subliminar. O êxito consiste em introjetar nos telespectadores a necessidade de adquirir um novo bem de consumo.

Em busca da fidelização da audiência, as emissoras privadas ignoram os princípios que deveriam nortear a prática da comunicação social no Brasil. O capítulo 5 da Constituição Federal, em seu artigo 221, determina que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem estar destinadas a valorização da diversidade cultural, priorizando conteúdos educativos, artísticos, culturais e informativos”. Todavia, o comprometimento com o mercado e a falta de uma legislação específica capaz de regular esse processo, permite a sobreposição dos interesses comerciais ao interesse público.

Deformação de valores

Na atualidade, cultura e informação não passam de meros produtos expostos nas prateleiras da indústria cultural. Debates como a criação de mecanismos de responsabilização das mídias por violações de direitos humanos e o aprimoramento de mecanismos de proteção às crianças e aos adolescentes, ocupam apenas a intangível “Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil”, cuja repercussão junto à sociedade revela-se insuficiente. Sem avançar significativamente nesse debate, o governo de turno está cometendo um equívoco de grandes proporções.

A posição titubeante ao tratar da revisão do Marco Regulatório das Comunicações, praticamente inviabiliza a aplicabilidade das proposições expressas pela sociedade civil durante a realização da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em 2009. A baixa qualidade dos conteúdos provenientes das emissoras de TV é uma consequência da falta de regulamentação desta prestação de serviço. Tal fenômeno é parte integrante do modelo de televisão que está em curso no país. Esse processo impacta negativamente a interpretação dos fenômenos culturais, sociais, políticos e econômicos; resultando, ainda, na deformação de valores essenciais para o bom desenvolvimento das capacidades cognitivas.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

domingo, 26 de agosto de 2012

Em defesa da liberdade de expressão ou de empresa?

Com o fim do recesso parlamentar, tomaram posse os novos integrantes do Conselho de Comunicação Social (CCS). São, ao todo, 26 representantes, sendo a metade composta por titulares e, o restante, suplentes. O grupo é formado por membros de empresas de radiodifusão, entidades de classe e organizações ligadas à sociedade civil. No entanto, agindo de acordo com os interesses das empresas de radiodifusão, o presidente do Senado, José Sarney, deixou de incluir diversas organizações que lutam pela democratização da mídia no bojo dos representantes da sociedade civil.

Sarney convocou apenas alguns líderes parlamentares e, de forma antagônica aos princípios do próprio órgão em questão, fechou a nominata do CCS sem consulta prévia à sociedade. Dessa forma, mais uma vez, uma parcela significativa de movimentos populares e entidades de classe foram tolhidos do direito à participação nesse que poderia ser um importante espaço de discussão sobre os rumos da mídia nacional.

Entre os grupos midiáticos representados no Conselho, encontram-se os responsáveis pela formatação da estrutura oligopólica que, infelizmente, configura a comunicação brasileira. É o caso da Rede Globo, da Rede Record, do Grupo RBS e do SBT. Além de ocuparem as vagas destinadas a empresas de rádio e televisão, Rede Globo e SBT, por exemplo, dividem a vaga destinada ao “engenheiro com notório conhecimento na área de comunicação social”. Essa escolha contribui para reforçar a ideia de que apenas os profissionais da chamada “grande mídia” estão gabaritados a deliberar sobre assuntos de ordem técnica.

Liberdade de mercado

A contradição na escolha dos participantes do CCS fica ainda mais evidente quando se trata das vagas reservadas aos integrantes da sociedade civil. É possível identificar que os critérios da escolha não respeitam nem mesmo as normas da Constituição Federal. Um dos princípios básicos da Lei Maior determina que os brasileiros vivam em uma sociedade laica, na qual se observe a separação entre o Estado e a Igreja toda vez que forem tomadas decisões de ordem política. Mesmo assim, o arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani João Tempesta, não só ocupa uma das vagas destinadas à sociedade civil como foi nomeado presidente do Conselho. Além disso, João Monteiro Filho, radiodifusor da Rede Vida, ficou com outra vaga, das míseras cinco cadeiras reservadas a entidades civis.

No Brasil, em torno de seis famílias comandam os serviços de radiodifusão e, da forma como está sendo composto este dispositivo, poderão legislar em causa própria. O ideal seria equalizar estes espaços, dando vez e voz para os movimentos sociais, e não apenas para os empresários da comunicação. A não observação desses fatores pauta-se pelos interesses de mercado e marginaliza o interesse público.

Cotidianamente o tema da liberdade de expressão é distorcido pelas empresas de comunicação. A intenção é desqualificar o debate sobre a necessidade de regulamentação da mídia; na contramão do que tem ocorrido em outros países da América Latina. Em 2009, durante a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), deliberou-se avaliar o conteúdo das produções hegemônicas, criando-se mecanismos de responsabilização das mídias sempre que ocorresse algum tipo de violação dos direitos humanos – afinal de contas, tais empresas operam sob concessão pública.

Temendo represálias, a mídia comercial – que produz programação de baixíssima qualidade e não prima necessariamente pela responsabilidade social –, saiu em defesa de uma suposta “liberdade de expressão”, a qual, apenas em seu entendimento, estaria defendendo a possibilidade de comunicar-se livremente com o público. Na verdade, trata-se do velho e famigerado discurso em prol da liberdade de mercado. O objetivo dessas empresas é, tão somente, manter elevado o índice de audiência e estreitar a relação com os anunciantes. Assim, qualquer tentativa de impor limites éticos referentes aos conteúdos veiculados passa a ser chamada de “censura”. Outra vez acuados por interesses inescrupulosos, eles não pensaram duas vezes antes de calar a voz daqueles que lutam pela democratização da comunicação, sacando-lhes, estrategicamente, o direito de compor o CCS.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

terça-feira, 3 de abril de 2012

A rede transformada em antissocial

A prisão dos neonazistas Emerson Eduardo Rodrigues e Marcelo Valle Silveira Mello chama a atenção para um problema que está sendo recorrente, no Brasil, durante os últimos anos. O site do qual a dupla fazia parte – silviokoerich.org– costumava incitar à violência contra negros, mulheres, crianças, homossexuais e nordestinos. As agressões eram realizadas há mais de uma década. Nesse período, quase 70 mil denúncias foram ajuizadas junto ao Ministério Público Federal. Os detentos irão responder judicialmente por incitação à prática de crime (artigo 286 do Código Penal), publicação de fotografia pornográfica envolvendo criança ou adolescente (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90) e discriminação racial por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza (artigo 20 da Lei 7.716/89).

Menos de uma semana após Emerson e Marcelo serem presos, o site continuava operando normalmente, com mensagens direcionadas ao deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). Na última postagem, sob o título “Iremos matar Jean Wyllys e bombardearemos a parada gay”, os neonazistas conclamavam simpatizantes para discutir a suposta ação em uma comunidade do Orkut. Inclusive, o autor da convocatória foi enfático em afirmar que “por intermédio do fórum, seriam combinados os locais de encontro e distribuídas as armas”. Na semana anterior, a Polícia Federal (PF) descobriu que estava sendo organizado um atentado contra os estudantes do curso de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB), momento no qual resolveu agir.

Discriminação nas redes sociais

Embora o grupo tenha sido denunciado nas redes sociais, ainda possui quase dois mil seguidores no Twitter. Lamentavelmente, eles não são os únicos a alimentar essa versão pós-moderna da Schutzstaffel (SS) – nome dado a tropa de proteção nazista, cuja incumbência era defender os ideais de Adolf Hitler. A impessoalidade proporcionada pela utilização de fakes nutre uma sensação de onipotência, cuja máxima é a extensão das crenças cotidianas para um ambiente propício à virtualização do preconceito.

Recentemente, outros dois casos marcaram negativamente o uso dos sites de relacionamento. Em 2010, após a vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais, a estudante de direito Mayara Petruso dirigiu graves ofensas à população nordestina. Em junho de 2011, ela foi denunciada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Pernambuco (OAB-PE), mas o caso ainda não teve desfecho. A ação movida pela OAB-PE não foi suficiente para evitar que situações semelhantes voltassem a ocorrer. Em dezembro de 2011, após publicar diversos comentários racistas, a gaúcha Sophia Fernandes também foi acionada na Justiça, sendo oferecida denúncia ao Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul (MPF/RS).

Conforme revela um estudo publicado pelo portal Pragmatismo Político, a discriminação nas redes sociais é mais comum do que se pode imaginar. Um teste aplicado pela instituição mexicana Museu Memória e Tolerância comprovou a força do estereótipo na aceitação dos internautas. Utilizando-se de dois modelos para criar quatro perfis no Facebook – dois masculinos e dois femininos – e mantendo-se as mesmas características, exceto a cor da pele –, realizaram-se convites de amizade. Foi possível constatar que o perfil feminino caucasiano não sofreu nenhuma rejeição; diferente da outra personagem, com a pele mais escura. No caso dos homens, o preconceito ficou ainda mais evidente. O perfil masculino, com a pele clara, não encontrou problemas para adicionar amigos; já o análogo, negro, foi recusado por diversos usuários e recebeu quatro denúncias, ocasionando o cancelamento da conta.

Respeito à diversidade

Embora o artigo 5º da Constituição Federal estabeleça que “todos são iguais perante a lei”, discursos misóginos, racistas e homofóbicos estão presentes até mesmo em espaços onde deveriam ser combatidos, como tem ocorrido no Congresso Nacional. Além disso, não raras vezes, programas radiofônicos e televisivos – principalmente humorísticos – se amparam na ridicularização do homossexual e na vulgarização da mulher para tentar atingir altos índices de audiência.

O mau gosto na escolha do pseudoentretenimento tem razões socioculturais profundas, que são oficializadas sempre que iniciativas contrárias a sua naturalização sofrem constrangimento. Vale recordar o rebuliço em torno do kit anti-homofobia, que levou a presidente Dilma Rousseff a suspender sua distribuição, em maio de 2011. O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), um dos principais críticos da utilização desse material nas escolas públicas brasileiras, foi eleito, em 2010, com aproximadamente 120 mil votos, numa expressão preocupante de apoio às suas convicções.

Em situações como essa, recuar equivale a ser complacente. A superação das injustiças passa, inevitavelmente, por uma mudança radical não apenas no pensar, mas, sobretudo, no agir. Para tanto, o governo federal não pode titubear ante o ímpeto totalitário dos políticos conservadores. Por certo, a melhor medida seria colocá-los diante do espelho. Obrigá-los a deparar com os reais motivos de tamanha aversão ao que julgam ser “fora do normal” – a psicanálise ajuda a entender melhor este destempero. Implementar programas capazes de incentivar a valorização do ser humano e o respeito à diversidade é a única saída para modificar essa triste realidade. Caso contrário, pai e filho continuarão precisando pensar duas vezes antes de demonstrar afeto em público, pois, como se sabe, estão correndo sério risco de sofrerem agressões daqueles que, a bem da verdade, são incapazes de amar.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

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