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domingo, 26 de junho de 2011

Educando para o consenso de classes

Com esta postagem, o blog Exílio Midiático completa um número, ainda pequeno, de 100 publicações. Desde o início, procura-se tratar de assuntos relacionados ao modo de operar dos grandes meios de comunicação e seus reflexos para o conjunto da sociedade. Tal prerrogativa não impede imersões no mundo literário e seus correlatos, pelo contrário, permite uma aproximação entre o trabalho material e reflexivo, buscando superar as distinções relativas à atividade social.

A característica principal deste veículo é a busca pelo contraditório; a excelência da crítica, livre de pressões políticas e econômicas. Seja de patrocinadores, patrões, linhas editoriais ou direcionamentos partidários. A reflexão é construída por meio de princípios éticos e, por conseguinte, ideológicos. Utilizam-se como únicos pressupostos o compromisso social e o entendimento de que a problematização dos fatos deve ser exposta da forma mais clara possível. Mesmo considerando a real abundância de espaços similares a este na internet, procura-se, de alguma forma, contribuir para o processo que visa à democratização da comunicação, amparando-se no protagonismo.

Historicamente as práticas sociais se estabelecem imersas na divisão do trabalho. Ao longo dos anos, nobres e plebeus, capitalistas e proletários, intelectuais e trabalhadores encontram-se em constante contradição e distanciamento. Não apenas sob o ponto de vista econômico, mas, também, quanto ao direcionamento das atividades que, supostamente, competem a cada um realizar. É a escravidão do livre pensamento; o enclausuramento de sonhos e potencialidades; a mordaça invisível, das forças dominantes, para calar a voz dos oprimidos. Ditam-se regras e estipulam-se locais de fala. Determina-se, por exemplo, "quem manda" e "quem deve obedecer". São estabelecidas normas de conduta, as quais produzem o convencimento para impossibilitar a ação.

Em meio a essa conjuntura surge, ainda, a diferenciação entre trabalho “intelectual” e “material”. Como se o trabalhador não pudesse, a exemplo do que se procura fazer aqui, desempenhar mais de uma atividade concomitantemente. Prática exercida para além da exigência profissional e da garantia de subsistência. Influenciada tão somente pela ânsia de saciar a vontade de escrever sobre as inquietações do momento e contribuir à reflexão-ação.

O atual receituário da sociedade capitalista refunda preceitos antigos. Não se pode ser músico, escritor, jogador de futebol e trabalhar na indústria. O exercício de muitas atividades, inevitavelmente, prejudica a produção material e, nesse sentido, se opõe à fragmentação e à especialização da mão de obra, próprias desse sistema. Em caráter subliminar, despreza-se o ócio para recompensar a subordinação passiva às tarefas estipuladas. É o princípio da meritocracia, hoje, presente, até mesmo, nos espaços onde deveria ser motivo de repulsa.

"O funcionário do mês", “o professor do ano”, “o primeiro aluno da classe”. Essas representações sociais, seletivas e excludentes, reforçam o individualismo e, subjetivamente, formalizam contratos nefastos, muitas vezes involuntários. São acordos estabelecidos entre exploradores e explorados, governantes e professores, estes últimos e seus alunos. Pela lógica da produção em série, nem mesmo o trabalho intelectual foge à regra, sendo de grande valia para os proprietários privados da escrita acadêmica.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Revoltas, revoltosos e atitudes revoltantes...

A recente midiatização das revoltas árabes e das manifestações européias, por parte da mídia comercial brasileira, evidencia o jogo sujo da manipulação midiática. Na busca aviltante pela defesa dos interesses do capital financeiro descarta-se o caráter político das práticas sociais, rebaixando-as ao campo tecnológico e, nesse sentido, descaracterizando as reais potencialidades dos movimentos organizados.

Redes sociais, como o Facebook, estariam contribuindo decisivamente para concretizar avanços democratizantes em cada região sublevada. Criam-se neo-revolucionários, os quais são descritos como “bem educados e insatisfeitos com as restrições à liberdade”. Aparentemente não assustam os donos do poder, sobretudo os Estados Unidos, pois estariam operando no limite da confrontação política, em caráter local. Na prática, evidencia-se o contrário; um movimento autoproclamado altermundista, no qual a internet tem caráter meramente instrumental e sua força de atuação manifesta-se na coletividade resultante da ação direta.

O que está sendo publicizado pela mídia convencional não contribui, por exemplo, para desmoralizar a ordem política e econômica responsável por sentenciar o fim do Estado do Bem-Estar Social - Welfare State - na Espanha, bem ao gosto da Comissão Européia e do FMI. No mesmo sentido, essas construções midiáticas em nada têm ajudado a explicar o desprezo da população grega para com os principais partidos políticos do país, tanto o Conservador, quanto o Socialista. Há décadas ambos se revezam no poder sem, no entanto, modificarem as relações de exploração e as injustiças sociais. Redução de salários, aumento real do desemprego, carência na prestação de serviços públicos e piora da condição material de vida da população contribuem para o crescimento das pressões por parte dos movimentos sindical e estudantil.

Por seu turno, a suposta democratização dos países árabes conta com a fiscalização intransigente do Departamento de Estado norte-americano. Em outros tempos, Estados Unidos e Inglaterra já foram aliados do ditador líbio, Muammar Kadafi, mas a lógica estadunidense, do complexo industrial-militar, opera sob a égide da corrida armamentista e, nessa direção, tomam-se atitudes capazes de assegurar o controle do Império, ou ainda, que não deixem a economia arrefecer. Nos anos 80, o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, investiu no aumento do arsenal militar e, mesmo após o trauma da derrota na Guerra do Vietnã, contou com o apoio massivo da população para sua investida contra os países árabes. Reagan soube utilizar muito bem a imagem do tirano Kadafi e, conseqüentemente, sua representatividade enquanto potencial ameaça terrorista, como hoje o faz Barack Obama.

Embora pouco se discuta, as sublevações árabes e européias apresentam aspectos de confrontação histórica que ultrapassam o campo de domínio da democracia liberal e seu fetichismo tecnológico. Para além das reformas democráticas deve-se evidenciar a crítica ao autoritarismo, a busca pela efetiva distribuição de poder e a rejeição ao modelo neoliberal. Na Espanha, os manifestantes têm tomado as ruas para expressar um fervoroso descontentamento com as reformas postas em curso pelo governo do socialista José Luis Rodríguez Zapatero. A motivação do movimento, conhecido por indignados, até pode ser encarada sob o ponto de vista do interesse particular, mas só costuma atingir proporções de real pressão ao poder institucionalizado quando manifesta-se em caráter coletivo.

A luta contra a redução das proteções sociais e flexibilização das relações trabalhistas, atualmente em curso, confronta-se diretamente com a lógica neoliberal, mas, propositadamente, seu processo histórico deixa de ser problematizado pela mídia. Desse modo, ignora-se a disputa de classes e não se reivindica a necessidade de superação do modelo econômico vigente. A ênfase clássica recai sobre falsas democracias, falsos insurretos e falsas noções de liberdade, inculcadas no conjunto da população por meio de acepções liberais, sem a devida contextualização dos fatos.

domingo, 19 de junho de 2011

A mercantilização das paixões nacionais

Já dizia o poeta, “para falar em amor, é preciso estar sofrendo”. Veja bem, não me refiro apenas àquele amor não correspondido pelo ser amado, pois, hoje em dia, este sentimento parece capaz de se manifestar nas mais variadas expressões da vida material. O que é uma lástima. É o amor ao supérfluo. Não é paixão verdadeira. Esta última, aliás, tem, como principal característica, elevar os sentidos ao grau sublime do desatino e, por outro lado, extinguir sonhos com a celeridade impertinente da temida realidade.

Não dá para negar, no Brasil, futebol, mulher e samba são paixões nacionais. Contudo, os objetos responsáveis por configurar as relações constitutivas destas paixões, não são, por si só, elementos capazes de provocar tais delírios. Constituem-se em meras alegorias. Ninguém ama a bola. Quando está ali, parada, no meio do campo, a bola é só um corpo esférico de borracha. Não tem a mínima graça. Ganha vida com o toque humano. É neste momento que se criam as expectativas quanto ao seu percurso, o qual, vencendo a linha demarcatória do gramado, pode, ou não, ocasionar a alegria do torcedor.

Já a mulher é bela e irresistível por natureza. Quanto menos ornamentos forem utilizados, mais visível ficam seus encantos, menos espaços existem para controlar a razão e, tanto mais, se deixa de lado o supérfluo para valorizar a agradável revelação de sua essência. Roupas, brincos e sapatos não chamam a atenção quando ficam expostos em lojas. Tornam-se apenas acessórios. Estão lá, imóveis, incapazes de provocar qualquer tipo de atração. Para despertar interesse precisam estar inseridos no contexto do corpo feminino. Fora isso, não passam de mercadorias sem vida.

Com o samba ocorre algo semelhante. É a manifestação encantadora, pura e autêntica das nossas raízes. É o consolo do que sofre e o estopim para incendiar, de uma vez por todas, a vida do contente. Violão, cavaquinho, surdo, repique, tantã, pandeiro, nada disso faz sentido sem o toque especial de quem entende do assunto. Ele expressa todo o seu sentimento na execução conjunta da harmonia musical. É a arte da batucada, sem apego ao requinte e sofisticação. O improviso, movido a paixão, transforma mesas em tambores e qualquer lugar serve de passarela.

Por tudo isso, é constrangedor verificar a mercantilização das verdadeiras paixões humanas. A imposição econômica seqüestra os sentimentos, sobretudo pelo valor de custo a eles agregado. A bola, improvisada nas zonas de várzea, custa caro nos campos de futebol. O estádio, sede do evento futebolístico, estipula o seu valor de mercado selecionando a entrada dos torcedores. Dirigentes, comissão técnica e jogadores faturam milhões nos times considerados "grandes". Valor este mensurado pelas conquistas dentro e fora de campo, graças aos recursos advindos de patrocinadores.

As mulheres procuram, cada vez mais, espaços de atuação e protagonismo social, político e econômico. Não estão focadas apenas no mercado de trabalho, mas passam a atuar, também, nas instâncias de poder. Hoje, a presidente da República é mulher. Das dez ministras do seu governo, o dobro do que existia na gestão de Lula, pelo menos duas ocupam cargos de destaque. Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti estão, respectivamente, na Casa Civil e no Ministério das Relações Institucionais. Neste caso, beleza e charme tornam-se alegorias. A paixão manifesta-se para além da imposição cultural. Enfim a sociedade parece estar vencendo estigmas.

Na verdade, nem tudo são flores. A reconfiguração da sociedade capitalista, em sua versão pós-moderna, possibilita que o samba de raiz perca espaço para as mais variadas versões do rentável pagode. Na maioria das rádios comerciais é a venda fácil das melodias massificadas que preenche as "paradas de sucesso". Os canais de televisão utilizam esta "nova" melodia como instrumento de mercantilização do corpo feminino. O sambista, que faz do prato e da panela instrumento, perde espaço para os adestrados "dubladores de auditório". É o jabaculê criando e recriando sucessos, com o caixa jorrando dinheiro para empresários de ocasião. Enquanto isso, a paixão deixa de ser a expressão dessa arte para virar tema de canções industrializadas. Sua substância se perde nos holofotes da encenação. Assim, embora se modifiquem os atores sociais, continua-se escanteando a diversidade. Os novos governantes parecem pouco preocupados em distribuir poder. Operam, aparentemente, na contramão da sociedade machista, sem eliminar o seu aspecto autoritário.

Há quem diga que as desigualdades diminuiram substancialmente no Brasil. Agora, a população estaria mais consciente e o voto seria reflexo deste processo. Afinal de contas, o futebol "profissionalizou-se", a mulher está ocupando "postos-chave" no governo e o carnaval atrai turistas de todo o mundo para o “país do crescimento econômico”. Infelizmente, quem sai às ruas para trabalhar, todo dia, vê pouca diferença. A mulher precisa sapatear, e muito, para continuar dando conta da dupla jornada de trabalho. O futebol já tem dia e hora, estipulados pela televisão, para entrar na vida e na casa dos brasileiros. E, para completar, está determinado: é nos domingos que todo mundo samba, "dança com famosos", ou algo parecido. Tanto o trabalho, quanto o “lazer”, passam a reprimir o verdadeiro descanso. Homens e mulheres seguem apáticos em frente ao televisor. Estão ávidos por amar, no entanto, parecem, não mais, saber como fazê-lo. Querem sair para curtir um partido alto, jogar aquela pelada com os amigos, mas não podem. Está quase na hora de começar tudo outra vez. O domingo já se foi e, amanhã, é segunda-feira!

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