
Pois bem. Sento, penso e escrevo o que me vem à mente. O processo é realizado de forma desordenada. Afoito em dizer alguma coisa não escolho as palavras, digito com pressa, mas procuro usá-las cautelosamente. Às vezes minhas mãos suam, fico nervoso e parece-me que os dedos não conseguem acompanhar o ritmo das minhas idéias. Faço uma pausa. Recomeço. Desta vez tenho certeza de que o que acabo de escrever não era para ser redigido desta forma. Fico tenso. Não era bem isso - penso eu, para minha frustração. Logo me dou por vencido e a minha total falta de paciência acaba por deixar o texto como está. Na maioria das vezes não tenho saco nem mesmo para revisá-lo.
Nessa exposição que fiz da minha experiência de segundos atrás, ou seriam minutos, horas, dias... (vai depender de quando está sendo lido este texto), fica evidente que, no início, eu estava determinado a escrever algo concreto. Era um sentimento bom, tinha força, intensidade e eu sentia paixão em rabiscar qualquer coisa. Depois, ao final do mesmo parágrafo, parece que outro sentimento me invadiu: as cobranças estilísticas, a auto-crítica em excesso, tudo isso acabou por minar minha experiência. Ela era mesmo excitante, mas, de repente, o entusiasmo se perdeu.
Esse exemplo faz parte do conflito existencial que toma conta de todos, pois vivemos em uma sociedade onde reina a produtividade. Ambiente propício às patologias sociais e ao distanciamento das paixões. Assim, pode-se resumir este conflito no duelo: prazer x obrigação. No meu caso, a perda do "tesão" por escrever se deu por uma interrupção repentina. No momento em que eu estava atingindo o ápice criador. Aquele outro assunto, desgastante, e, insuportavelmente "mais importante" do que o ato de escrever por escrever, acabou tombando com a minha inspiração.
"Sem tesão não há solução"

Quem, em sã consciência, vivendo abarrotado de trabalho, obrigações e encheções de saco das mais variadas espécies, conseguiria afirmar: "a vida não tem qualquer sentido", sem que isso fosse resultado de um pensamento suicida?
Roberto Freire é capaz disso. Criador da Somaterapia, ele se tornou referência na defesa dos ideais anarquistas e enfrentou, através da militância política, duas ditaduras: o Estado Novo (1937 - 1945) e a Ditadura Militar (1964 - 1985). Manteve-se fiel às suas convicções e elaborou diversas críticas contra todo tipo de autoritarismo, seja ele oriundo dos governos imperialistas ou da classe dirigente marxista-leninista.
"Não pedi e não escolhi de quem, por que, onde e quando nascer. Da mesma forma não posso decidir, como, onde, de que e por que morrer. Essas coisas me produzem a sensação de um imenso e fatal desamparo, uma insegurança existencial permanente". (Roberto Freire)
Segundo Freire, a sociedade em que vivemos, autoritária e desumana, nunca permitirá que o homem se realize por inteiro, deixando o amor fluir livremente. Fator, esse, capaz de levar as pessoas ao suicídio. Essa é uma forma de contestar a imposição do tempo e a gerência da morte. Segundo ele, "todos os suicidas buscam a morte contra a vontade, violentando-se dominados pelo desejo onipotente de dar sentido à vida e outro à morte, como se esta fosse um substituto para aquela e não apenas dois degraus da mesma escada em direção ao nada". Assim, outra questão emerge desta sentença: o que dá sentido as nossas vidas?

Concordo com Freire em muitos aspectos, principalmente no que diz respeito ao amor, o prazer, a responsabilidade e o compromisso. Esses assuntos, inclusive, poderiam ocupar uma centena de posts, mas quero me ater aqui a uma questão que acho fundamental: - a maneira grosseira como estamos tocando as nossas vidas na maior parte do tempo. Isso porque, ele mesmo, o "ininterrupto", responsável pela sucessão de dias, noites, horas, minutos, segundos e até milésimos de segundos, continua incoercível.
Ninguém pode parar o tempo. É inegável que aprender a viver leva tempo. Sentir prazer, por sua vez, é, também, uma questão de tempo. Bem como escrever, ler, refletir, agir, conhecer, amar, satisfazer-se... Por outro lado, o tempo de cada um é diferente e, talvez, nem sempre seja possível ter tempo de se pensar à respeito.
Se conseguirmos, pelo menos, um tempo para pensar, já será uma conquista. Na maioria das vezes costumamos reagir muito mais à impulsos do que, propriamente, questionarmos as nossas vontades. Para os seguidores da Somaterapia o impulso pela busca do conhecimento é mais importante do que a coisa conhecida. Então, sejamos menos impulsivos e mais interessados no que estamos fazendo, pois, assim, não perderemos o tesão e teremos mais tempo para viver. Ou melhor, como diria Freire, para amar.
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