Foi lançado mais um produto midiático da RBS. Trata-se da Série, sensacionalista, “Pesadelo na saúde”. A família Sirotsky não costuma dar ponto sem nó, ainda mais quando o assunto é faturar. Parecem preocupados com o bem estar da família gaúcha, mas, no fundo, o principal objetivo desta “nobre” afiliada da Rede Globo é atrair o investimento dos famigerados planos de saúde para o seu bolo publicitário. Assim, contribui, também, para aumentar a rejeição ao SUS (Sistema Único de Saúde). Falam como se todo o serviço estivesse comprometido e, nessa direção, a única saída para acordar do letargo seria a privatização do setor.
Sistema privado: serviço pago é serviço feito
Apenas para ilustrar esta falácia, gostaria de expor uma experiência não muito distante. Há alguns anos, quando era dependente do titular de um plano de saúde em minha cidade, Pelotas, quase fui operado uma segunda vez para tratar de um suposto quadro de apendicite. De acordo com o médico a inflamação intestinal já estaria em grau avançado. Não se prestaram nem para olhar a cicatriz da antiga cirurgia. Com dez anos de idade ganhei sete pontos na parte inferior do abdômen. A marca está bem evidente, basta mirar no local onde deve ser feita incisão cirúrgica. De pronto pedi que parassem com o procedimento. Não, calma aí! Já retirei o apêndice – falei ao médico, abortando a operação. O episódio ocorreu sob a égide do sistema privado de saúde e não em um pronto-atendimento do SUS.
Precisamos acordar
Mas, retornando ao “pesadelo” da RBS, nota-se uma preocupação em agradar antigos parceiros comerciais. Entre os anos de 2008 e 2009, para citar um exemplo, o Grupo de comunicação da família Sirotsky fechou parceria com a Unimed, cujo contrato estipulava “participação ativa de todo o Sistema Unimed-RS nos veículos da RBS (Rádio, TV, Jornal e Internet)”. Isso incluiu, é claro, a produção de cadernos encartados no jornal Zero Hora. Ao todo foram publicadas oito edições de o “Espaço Vida” junto ao periódico de maior circulação no estado do Rio Grande do Sul.
Na última segunda-feira, dia 25 de julho, a chamada para a matéria principal do programa RBS Notícias - diga-se de passagem, muito bem lida pela apresentadora Daniela Ungaretti – causa repulsa em quem ainda não se rendeu à propaganda enfadonha de que, para se ter saúde, é preciso pagar, e caro. O discurso da emissora é o seguinte:
“Quando se fala em saúde pública, é comum pensar em emergências abarrotadas, doentes enfrentando uma maratona desumana atrás de tratamento. Outros morrem sem conseguir. Nossa equipe encontrou pais que perderam filhos, acompanhou a viagem de pacientes durante horas em vans e ainda situações chocantes”.
A Série, que está sendo apresentada ao longo de toda esta semana, não passa de uma convincente peça publicitária. Os possíveis anunciantes e antigos parceiros podem ficar tranquilos, se depender da política de comunicação da emissora o discurso será intimista e causará, além da comoção, muita revolta com o serviço público.
Na visão do maior grupo de comunicação do estado, saúde pública é sinônimo de ineficiência, profissionais mal preparados e falta de atendimento adequado aos usuários. No entanto, quem conhece o trabalho árduo realizado tanto na atenção primária, quanto hospitalar, sabe que, embora existam dificuldades, sobretudo pela falta de financiamento adequado e má vontade política, estes serviços são fundamentais para a promoção da saúde coletiva e prevenção de doenças. Superando o modelo de atenção médico centrado, o qual mantém seu foco apenas na enfermidade, sem considerar as especificidades de cada região e a diversidade dos indivíduos atendidos.
Enfrentamentos necessários: regulamentar a mídia e investir em saúde pública
Enquanto não houver participação da sociedade civil no controle dos conteúdos veiculados pelas empresas de comunicação, as quais, por sinal, operam por meio de concessões públicas, as matérias veiculadas continuarão sendo arquitetadas sob a ótica publicitária. Mas o buraco é mais em baixo e, nem sempre, tem como tapar os furos da real situação. Conforme aponta uma reportagem publicada dia 27 de julho, no Diário do Grande ABC, a saúde privada está deixando mais de 68 mil pessoas sem convênio na região. A matéria, assinada pela jornalista, Paula Cabrera, ressalta: “em menos de um ano três hospitais fecharam as portas e 68,8 mil pessoas ficaram sem atendimento, mesmo pagando o convênio médico em dia”.
Para se ter uma ideia da encrenca, recentemente a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou em seu relatório anual, cujos dados são de 2008, que o governo brasileiro é um dos que menos investe no setor, apenas cerca de 6% do orçamento nacional. Consta, ainda, neste balanço, o fenômeno da explosão de planos de saúde, evidenciado no país principalmente durante a última década. No entanto, há mais de dez anos, com a criação da Emenda Constitucional 29, foram estipulados patamares mínimos de aplicação dos recursos por parte dos três níveis da federação. Municípios deveriam aplicar 15%, estados 12% e a União precisaria sustentar o gasto do ano anterior, devendo corrigi-lo pela variação nominal do PIB.
Na opinião da professora Élida Graziane Pinto, “passados dez anos da sua edição, podemos sinceramente avaliar como não cumprida a promessa da Emenda 29 de conferir estabilidade e suporte mínimo de recursos para o SUS”. Conforme destaca, não é a falta da CPMF o fator gerador do problema de financiamento do SUS e sim a ineficiência da correção sobre o gasto mínimo federal. Este, atualmente, é aplicado apenas pela variação do PIB, ocasionando a regressividade do gasto federal em saúde. (Ver artigo na íntegra clicando aqui).
Em momento algum a Série “aterrorizante” da RBS coloca em questão o porquê da falta de recursos do SUS, responsável por produzir os problemas artisticamente midiatizados. Para abordar a questão da saúde pública no Brasil é preciso considerar, necessariamente, os projetos de Lei 01/2003 e 121/2007, os quais tramitam, respectivamente, na Câmara dos Deputados e no Senado. Ambos têm o intuito de regulamentar a Emenda 29 e, com isso, estipular um dever de gasto público mais adequado as reais necessidades dos usuários. O Governo Federal tem a obrigação de aplicar, nesta área, um gasto mínimo compatível à sua receita.
Desde 2007, com o fim da contribuição destinada ao custeio da saúde pública trava-se um embate político sobre a necessidade de se restabelecer a cobrança deste imposto e a verdadeira eficácia de sua aplicabilidade. Mas, a afiliada gaúcha da família Marinho, nem ao menos cogita trazer à baila estas questões. Prefere utilizar-se da habitual apologia à providência divina da iniciativa privada. Como se todos pudessem acessar os planos de saúde e, estes, representassem uma melhora considerável no atendimento da população.
Sistema privado: serviço pago é serviço feito
Apenas para ilustrar esta falácia, gostaria de expor uma experiência não muito distante. Há alguns anos, quando era dependente do titular de um plano de saúde em minha cidade, Pelotas, quase fui operado uma segunda vez para tratar de um suposto quadro de apendicite. De acordo com o médico a inflamação intestinal já estaria em grau avançado. Não se prestaram nem para olhar a cicatriz da antiga cirurgia. Com dez anos de idade ganhei sete pontos na parte inferior do abdômen. A marca está bem evidente, basta mirar no local onde deve ser feita incisão cirúrgica. De pronto pedi que parassem com o procedimento. Não, calma aí! Já retirei o apêndice – falei ao médico, abortando a operação. O episódio ocorreu sob a égide do sistema privado de saúde e não em um pronto-atendimento do SUS.
Precisamos acordar
Mas, retornando ao “pesadelo” da RBS, nota-se uma preocupação em agradar antigos parceiros comerciais. Entre os anos de 2008 e 2009, para citar um exemplo, o Grupo de comunicação da família Sirotsky fechou parceria com a Unimed, cujo contrato estipulava “participação ativa de todo o Sistema Unimed-RS nos veículos da RBS (Rádio, TV, Jornal e Internet)”. Isso incluiu, é claro, a produção de cadernos encartados no jornal Zero Hora. Ao todo foram publicadas oito edições de o “Espaço Vida” junto ao periódico de maior circulação no estado do Rio Grande do Sul.
Na última segunda-feira, dia 25 de julho, a chamada para a matéria principal do programa RBS Notícias - diga-se de passagem, muito bem lida pela apresentadora Daniela Ungaretti – causa repulsa em quem ainda não se rendeu à propaganda enfadonha de que, para se ter saúde, é preciso pagar, e caro. O discurso da emissora é o seguinte:
“Quando se fala em saúde pública, é comum pensar em emergências abarrotadas, doentes enfrentando uma maratona desumana atrás de tratamento. Outros morrem sem conseguir. Nossa equipe encontrou pais que perderam filhos, acompanhou a viagem de pacientes durante horas em vans e ainda situações chocantes”.
A Série, que está sendo apresentada ao longo de toda esta semana, não passa de uma convincente peça publicitária. Os possíveis anunciantes e antigos parceiros podem ficar tranquilos, se depender da política de comunicação da emissora o discurso será intimista e causará, além da comoção, muita revolta com o serviço público.
Na visão do maior grupo de comunicação do estado, saúde pública é sinônimo de ineficiência, profissionais mal preparados e falta de atendimento adequado aos usuários. No entanto, quem conhece o trabalho árduo realizado tanto na atenção primária, quanto hospitalar, sabe que, embora existam dificuldades, sobretudo pela falta de financiamento adequado e má vontade política, estes serviços são fundamentais para a promoção da saúde coletiva e prevenção de doenças. Superando o modelo de atenção médico centrado, o qual mantém seu foco apenas na enfermidade, sem considerar as especificidades de cada região e a diversidade dos indivíduos atendidos.
Enfrentamentos necessários: regulamentar a mídia e investir em saúde pública
Enquanto não houver participação da sociedade civil no controle dos conteúdos veiculados pelas empresas de comunicação, as quais, por sinal, operam por meio de concessões públicas, as matérias veiculadas continuarão sendo arquitetadas sob a ótica publicitária. Mas o buraco é mais em baixo e, nem sempre, tem como tapar os furos da real situação. Conforme aponta uma reportagem publicada dia 27 de julho, no Diário do Grande ABC, a saúde privada está deixando mais de 68 mil pessoas sem convênio na região. A matéria, assinada pela jornalista, Paula Cabrera, ressalta: “em menos de um ano três hospitais fecharam as portas e 68,8 mil pessoas ficaram sem atendimento, mesmo pagando o convênio médico em dia”.
Para se ter uma ideia da encrenca, recentemente a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou em seu relatório anual, cujos dados são de 2008, que o governo brasileiro é um dos que menos investe no setor, apenas cerca de 6% do orçamento nacional. Consta, ainda, neste balanço, o fenômeno da explosão de planos de saúde, evidenciado no país principalmente durante a última década. No entanto, há mais de dez anos, com a criação da Emenda Constitucional 29, foram estipulados patamares mínimos de aplicação dos recursos por parte dos três níveis da federação. Municípios deveriam aplicar 15%, estados 12% e a União precisaria sustentar o gasto do ano anterior, devendo corrigi-lo pela variação nominal do PIB.
Na opinião da professora Élida Graziane Pinto, “passados dez anos da sua edição, podemos sinceramente avaliar como não cumprida a promessa da Emenda 29 de conferir estabilidade e suporte mínimo de recursos para o SUS”. Conforme destaca, não é a falta da CPMF o fator gerador do problema de financiamento do SUS e sim a ineficiência da correção sobre o gasto mínimo federal. Este, atualmente, é aplicado apenas pela variação do PIB, ocasionando a regressividade do gasto federal em saúde. (Ver artigo na íntegra clicando aqui).
Em momento algum a Série “aterrorizante” da RBS coloca em questão o porquê da falta de recursos do SUS, responsável por produzir os problemas artisticamente midiatizados. Para abordar a questão da saúde pública no Brasil é preciso considerar, necessariamente, os projetos de Lei 01/2003 e 121/2007, os quais tramitam, respectivamente, na Câmara dos Deputados e no Senado. Ambos têm o intuito de regulamentar a Emenda 29 e, com isso, estipular um dever de gasto público mais adequado as reais necessidades dos usuários. O Governo Federal tem a obrigação de aplicar, nesta área, um gasto mínimo compatível à sua receita.
Desde 2007, com o fim da contribuição destinada ao custeio da saúde pública trava-se um embate político sobre a necessidade de se restabelecer a cobrança deste imposto e a verdadeira eficácia de sua aplicabilidade. Mas, a afiliada gaúcha da família Marinho, nem ao menos cogita trazer à baila estas questões. Prefere utilizar-se da habitual apologia à providência divina da iniciativa privada. Como se todos pudessem acessar os planos de saúde e, estes, representassem uma melhora considerável no atendimento da população.
Um comentário:
Eduardo, parabéns pela análise. Tem uma Medida Provisória, assinada no Governo Lula, que permite a formação de Parcerias Público-Privadas para gerenciar os hospitais públicos do país. Algumas cidades brasileiras estabeleceram isso, mas foi derrubado judicialmente por ser ilegal. Inclusive, há um movimento nacional contra isso.
Veja aqui o movimento em Alagoas: http://forumsus.blogspot.com/
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