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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Democratizar a comunicação no Brasil: um exercício de independência, autonomia e protagonismo

No último sábado, 9 de julho, por ocasião de mais uma edição do Cepos Debates, eu e o amigo Anderson Santos estivemos presentes em Bagé. Enquanto componentes do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos), fomos conversar com estudantes da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), representantes do governo local (PT) e lideranças do movimento sindical da cidade, sobre a urgência de se trabalhar no sentido de democratizar a comunicação no Brasil.

Com um quórum pequeno, mas muito interessado e, portanto, responsável por qualificar o debate, acabamos por ser indagados sobre uma série de questões expostas previamente. A principal intenção do Cepos, quando promove atividades como esta, é incentivar o diálogo sobre as políticas de comunicação e as mais variadas questões relacionadas ao estudo do audiovisual, foco principal das pesquisas realizadas pelo grupo, o qual é vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Nem todos ficam até o final

De início, procuramos contextualizar o cenário onde se insere o debate em questão. Com um marco regulatório defasado e incapaz de dar conta do atual momento das comunicações no país, fica difícil pensar em democratizar a mídia. O Código Brasileiro de Telecomunicações, vigente ainda hoje, é de 1962. Ele sofreu algumas mudanças durante o regime militar, em 1967, e, posteriormente, teve o incremento de legislações específicas, mas, como era de se esperar, nenhuma delas foi capaz de modificar o cenário de concentração da mídia brasileira. Durante a realização da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em dezembro de 2009, foram aprovadas várias proposições sugerindo, inclusive, a revisão do marco regulatório e apontando para a importância de, ao menos, serem respeitadas algumas das regras já em vigor.

De mãos dadas com a Globo
Dentre elas, encontra-se a proibição de que parlamentares sejam donos ou sócios de veículos de comunicação, pois, teoricamente, eles não deveriam legislar em causa própria. Prerrogativa essa, que, além de não ter sido cumprida até mesmo durante o Governo Lula, torna-se ainda mais preocupante se for levado em conta a perseguição do Ministério das Comunicações ao movimento de radiodifusão comunitária, sobretudo durante o mandato do ex-repórter da Rede Globo, Hélio Costa. Ao assumir a pasta das Comunicações, em 2005, o então senador do PMDB era proprietário da rádio Sucesso FM, em Barbacena, Minas Gerais. Devido as pressões sofridas pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Costa repassou o controle da emissora ao seu Chefe de Gabinete, José Artur Filardi Leite, e, posteriormente, também lhe endereçou o cargo de ministro das Comunicações para, assim, poder concorrer ao governo de Minas, na última eleição.

Infelizmente nem todos estão a fim de refletir sobre essas relações inescrupulosas. Preferem continuar acreditando na ausência de contradição, como se ainda fosse possível acessar o discurso utilizado por Lula na década de 1980, retratado em um documentário produzido pela BBC, que ficou conhecido no Brasil como Muito Além do Cidadão Kane. No entanto, é impossível negar que o resultado das alianças políticas do PT acabou por suplantar a retórica do ex-presidente. Dados da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRAÇO) revelam: de 1995 (início do Governo FHC) até 2007 (durante o Governo Lula), três mil rádios e TVs comerciais tiveram suas multas perdoadas, ocasionando um custo de mais de oito milhões aos cofres públicos. Esta mesma benevolência não se aplicou às rádios comunitárias e seus comunicadores. Cerca de 30 mil trabalhadores da comunicação popular estão sendo processados no país, mesmo após ser aprovada uma resolução para anistiá-los durante a realização da Confecom.

Descentralizar o debate para incentivar o exercício do direito à comunicação

No início de junho estive acompanhando outro companheiro do Grupo Cepos, Bruno Lima Rocha, em uma conversa realizada na cidade de São Leopoldo junto ao Sindicato dos Metalúrgicos da região. A exemplo do que se pôde perceber em Bagé, o público presente mostrou-se interessado em operar suas próprias ferramentas de mídia. Para além da inserção de campanhas salariais nos grupos de comunicação privados e da publicação de jornais do sindicato, os quais possuem uma linguagem difícil e, muitas vezes, não atingem nem mesmo a base da categoria, o rádio foi o instrumento de comunicação mais lembrado. Seja pela viabilidade do projeto, em função do baixo custo, ainda mais se comparado a uma emissora de TV, ou, até mesmo, pelas novas possibilidades de utilização desses veículos. Com a convergência digital é possível investir na criação da rádio web, que, posteriormente, pode se transformar em um canal comunitário ou educativo.

Comunicação alternativa: da contra-informação à contra-hegemonia

Em agosto de 2010, entrou no ar, na cidade de Mogi das Cruzes - SP, a TV dos Trabalhadores (TVT). Esta emissora, que recebeu concessão para operar um canal educativo, é ligada ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Os metalúrgicos do ABC estavam há mais de duas décadas na luta pela obtenção da outorga. Durante o Governo Sarney - recordista em distribuir concessões de rádio e TV para apadrinhados políticos - o então deputado federal e co-fundador da TVT, Luiz Inácio Lula da Silva, liderou uma comitiva que foi até o Ministério das Comunicações, chefiado a época por Antônio Carlos Magalhães, para tentar negociar a aquisição da licença. Da forma como se estrutura esse processo, obviamente o Sindicato não conseguiu receber a autorização. O que só ocorreu recentemente, quando, de certa forma, se inverteu a hegemonia política na composição do governo.

Essa vitória da TVT, possível somente diante do atual cenário político, não deixa de configurar uma importante conquista dos movimentos sociais e da classe trabalhadora, muito embora a efetivação desse processo tenha se dado nos mesmos moldes do que sempre aconteceu no país. Na verdade, são duas discussões diferentes. De um lado, como já disse, a importância de rever a forma como se viabiliza a obtenção e renovação de outorgas, seja para os canais educativos e comunitários, seja para os comerciais. De outro, a evidente ruptura com o atual perfil dos beneficiários, em sua maioria ligados a igrejas pentecostais ou congressistas conservadores.

Na década de 1980, período de redemocratização do Brasil e momento no qual surgem experiências como a TVT, o conceito empregado para se pensar a comunicação alternativa era o de contra-informação. O alvo estava claro. Havia uma informação circulante na mídia privada - entenda-se privada em seus dois sentidos: concessão pública destinada a um grupo de mídia privado para operar o serviço de radiodifusão, ou, ainda, como privada mesmo, local onde se depositam excrementos, como é, em sua maioria, a programação destes canais - que era, evidentemente, contrária aos interesses da classe trabalhadora.

Com a chegada do PT ao Governo essa necessidade de promover a contra-informação se complexifica. Por isso, é importante renovar o conceito na mesma medida que é preciso renovar, também, a prática dos movimentos sociais dedicados à democratização da comunicação. Dependendo da aplicabilidade desta contra-informação pode estar se utilizando, apenas, do discurso não-hegemônico. Embora a comunicação público/estatal deva, em certa medida, se opor a lógica da comunicação comercial - hoje dominante no Brasil - não representa uma ruptura com o poder político-econômico vigente.

Nessa medida, atenta-se para a urgência da promoção de espaços midiáticos destinados à contra-hegemonia. Entendida, aqui, como as manifestações sociais, em âmbito comunicacional, constantemente preocupadas em disputar poder com as forças dominantes, estejam elas estabelecidas no Estado ou no Mercado. Só uma comunicação essencialmente pública, tanto na gestão, quanto no modelo de propaganda, pode tencionar essa estrutura de comunicação oligopolizada, que perpassa todo um arcabouço ideológico-cultural e redunda na insuficiência das políticas de comunicação em curso no Brasil.

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