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segunda-feira, 28 de julho de 2008

MLST: a luta pela terra e contra a criminalização dos movimentos sociais

No dia 12 de Abril, de 2008, entrevistei, via email, Alfredo dos Santos, responsável pela secretaria de comunicação do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST).

Abaixo a entrevista na íntegra:

Eduardo Menezes (E.M): Como surgiu o MLST? Fale sobre a trajetória do movimento e suas bandeiras de luta.

Alfredo dos Santos (A.S): A história do Movimento, se inicia em meados de 1987 quando, 400 famílias do então chamado Movimento dos Sem-Terra de Pernambuco (que nada tinha a ver com o MST), foram se instalando progressivamente nas terras ociosas do Complexo Portuário de SUAPE (Recife-Pernambuco). Era a Ocupação Branca, nome encontrado para designar o processo lento e paciente onde os trabalhadores iam ocupando pequenas glebas de apenas 1 hectare de terra, mesmo impedidos de construir seus barracos e de plantar lavoura de raiz e submetidos a coação permanente dos vigilantes de SUAPE.

Chamou-se Ocupação Branca porque ela não desafiava abertamente o poder do Estado e os seus limites eram ditados pela secretaria do governo responsável por SUAPE. Na madrugada do dia 18 de setembro de 1989, mais 400 famílias chegaram ao local para se somar aos que lá já se encontravam, no que passou a ser chamado de Ocupação Vermelha. A partir desse momento estava constituída uma aliança entre os novos e os velhos ocupantes, baseada na contituição de suas próprias leis através de assembléias conjuntas realizadas na nova área de ocupação. Tudo isso foi exaustivamente discutido durante a praparação e no decorrer das 3 últimas semanas que antecederam essa ação, os posseiros da Ocupação Branca desenvolveram uma prática de desobediência civil, fustigando e desgastando a administração e o esquema de segurança de SUAPE, através de pequenos confrontos que buscavam levantar o moral da companheirada, preparando-a para assumir o enfrentamento em nível mais elevado que aconteceria nos próximos dias.

No dia 8 de março, mais de 2 mil pessoas e, com a presença do então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, foi inaugurada no Complexo de SUAPE, a Fazenda dos Trabalhadores.

Em julho de 1994 o Movimento passou a se chamar "Movimento por Terra, Trabalho e Liberdade", que era o lema que o PT adotou ao nascer em 1980 e foi sendo abandonado progressivamente à medida em que o Partido optava pelo caminho institucional.

E, finalmente, nos dias 21, 22 e 23 de agosto de 1997, em Brasília (DF), rompendo cercas, construindo uma nova sociedade aconteceu o Encontro Nacional de Fundação do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), com 720 delegados eleitos em todo Brasil.

E.M: Uma parte da imprensa trabalha com a idéia de que o MLST é uma dissidência do MST. Isso é verdade?

A S: Como relatei anteriormente e, a própria trajetória de lutas demonstra, o MLST não é uma dissidência do MST.

E.M: Em quais estados o movimento atua? Existe algum tipo de organização social ligada ao MLST fora do país?

A.S:O MLST está organizado em Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte, Maranhão, Tocantins, Bahia, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Não temos nenhum vínculo internacional.

E.M: Quantas famílias fazem parte do movimento?

A.S: Atualmente, o MLST conta com mais de 50 mil famílias distribuidas pelos 10 Estados.

E.M: Como se trabalha a produção agrícola dos camponeses?

A.S: Desde o ano 2000, o MLST desenvolve em suas áreas de atuação o que denominamos Empresa Agrícola Comunitária. Explicando um pouco mais. A empresa agrícola comunitária é uma nova forma de organização da produção que enfoca os aspectos econômicos, sociais, políticos, científicos, artisticos-culturais, esportivos e de lazer.

A Empresa Agrícola Comunitária é um instrumento que articula politicamente a “guerra de posição” e a “guerra de movimento”. Chamamos Guerra de Posição a função de trincheira política ou instância de diálogo com a sociedade, de debate político-ideológico e de mobilização social. Por Guerra de Movimento, se entende a ação política, como uma ocupação de terra e outras ações mais poderosas que se tornam instrumentos alternativos de poder, disputando palmo a palmo com os aparelhos burgueses e muitas vezes ocupando o seu lugar.

Dessa forma, a luta pela terra se apresenta num primeiro momento, como uma resistência a tudo isso, e, num segundo momento, pode e deve se transformar numa contra-ofensiva das classes trabalhadoras, por dentro e/ou por fora da institucionalidade burguesa. Basta analisar que faz parte do projeto da classe dominante, a redução da população economicamente ativa. Isto é demonstrado pela falência de milhares de pequenas propriedades, por falta de uma política agrícola condizente com a realidade, pelo fato de que 1% da população concentra 44% das terras no país.

O Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) considera que as ocupações visam democratizar a terra e construir o poder popular, porque elas são o primeiro passo dos sem terra para garantir sua sustentação econômica, sua libertação social e o seu desenvolvimento político, ideológico e cultural, como construtores de uma nova sociedade.

Assim, cada acampamento e assentamento que se transforme em uma Empresa Agrícola Comunitária (EAC), está democratizando a terra e instalando um modo de produção pró-socialista dentro do sistema capitalista.

Essa concepção estratégica faz com que o MLST venha afirmando desde o seu início que o socialismo e a reforma agrária no Brasil são inseparáveis. E da mesma forma que não se pode chegar ao socialismo sem uma profunda reforma na estrutura agrária brasileira, é impossível realizar uma verdadeira reforma agrária num país continental como o nosso, sem alcançar uma correlação de forças capaz de romper com o sistema capitalista e iniciar a construção do socialismo. Ou seja, se é verdade que a luta pela reforma agrária teve início e ainda vai se desenvolver e ganhar forças durante um bom tempo nos marcos do regime capitalista, ela só poderá ser concluída depois da ruptura popular com esse regime e de ser dado início à construção de uma nova sociedade, em que as classes trabalhadoras sejam hegemônicas no plano político, econômico, social, ideológico e cultural.

De maneira simples podemos dizer que a luta por uma verdadeira reforma agrária é inseparável da luta pela construção da sociedade socialista. Da mesma forma que a luta pelo socialismo é uma arma poderosa para a realização da verdadeira reforma agrária.

E.M: Quais as ações desenvolvidas pelo movimento na luta pela terra?

A S:Creio já ter respondido.

E.M: Quando os movimentos organizados contestam o status quo aparecem diversas versões midiáticas a respeito de tais ações. Qual a sua opinião sobre a imagem que a grande mídia cria em relação aos movimentos sociais?

A.S: A chamada grande mídia, por defender interesses que não são os dos trabalhadores, são os impulsionadores do que chamamos de "criminalização dos movimento sociais".

E.M: Com relação à ocupação da Câmara dos Deputados, em 6 de Junho de 2006, onde lideranças do movimento foram presas, qual a avaliação do MLST sobre a repercussão do fato?

A.S: No dia 6 de junho de 2006, o MLST foi ao Congresso Nacional para entregar aos Senhores Parlamentares uma pauta de reivindicações, anteriormente já agendada com o Presidente da Câmara e que se comprometeu em nos receber. No mesmo dia e na mesma hora, ocorria uma manifestação de estudantes e grevistas na entrada do Anexo II da Câmara dos Deputados, existindo já um tensionamento com a segurança do Congresso. Com a chegada dos militantes do MLST, acirrou os ânimos que redundou em conflito. Este conflito, que não serve ao MLST, nem aos movimentos sociais e a luta pela terra. Condenamos qualquer ação que danifique o patrimônio público e cause ferimento em qualquer pessoa, daí o Movimento orientar firmemente todos os seus militantes para que não incorram neste tipo de pratica, mesmo em situações de confronto.

Foi feito um acordo com o Presidente Sr. Aldo Rebelo de desocupação do Salão Verde com o recebimento da pauta de reivindicações e a saída dos militantes do interior do Congresso para o gramado, onde existiam 300 manifestantes que não entraram no local e acionar os ônibus para partir para os Estados de origem e que a responsabilização daqueles que cometeram excessos deveria ser estritamente dentro da lei, com a utilização do circuito interno da Câmara para identificar os envolvidos.

Uma vez cumprido o acordo por parte do MLST, o Sr. Aldo Rebelo recuou da sua palavra e ordenou que a Polícia de Choque, a Cavalaria e um sem número de Policiais Militares prendessem todos os manifestantes (homens, mulheres, jovens e crianças). Aqueles que haviam estado no interior do Congresso e mesmo aqueles que jamais tocaram os pés na Casa.

O triste espetáculo patrocinado pelo corporativismo da Câmara e pelas forças reacionárias da política brasileira, acusou, julgou e condenou o MLST, como em regra tem acontecido com os movimentos sociais em geral e os movimentos de luta pela terra em particular, sem sequer ouvir a nossa versão dos fatos. Queremos louvar o espírito de justiça de diversos parlamentares e de pouquíssimos jornalistas que pelo menos ouviram a nossa versão dos fatos.

O envio de mais de 612 trabalhadores rurais para a Penitenciária da Papuda com o claro viés de dar exemplo, independentemente da culpa ou inocência dos mesmos, revela o retrato cruel do Brasil: prisão indiscriminada, arbitrária e política para os trabalhadores que lutam, seja por terra, trabalho, renda ou teto. E do outro, o acobertamento, leniência e benesses para os que roubam o Estado, exploram os trabalhadores, violentam a nação e destroem a esperança e os sonhos do povo.

E.M: Havia uma forte expectativa, com o início do atual governo (Lula), quanto à efetiva realização da reforma agrária no Brasil. Qual a situação atual?

A.S: Um levantamento recente feito pelo governo federal revela que mais de 1 milhão de sem terra está espalhado pelo país morando debaixo de barracos de lona à espera de um lote de terra da reforma agrária.

Ao lado das ocupações de terra, a criação e o inchaço dos acampamentos são os principais instrumentos de pressão dos movimentos que representam trabalhadores sem terra contra o Palácio do Planalto.

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, em outubro de 2002, a contabilidade oficial apontava 60 mil famílias acampadas. Hoje passa de mais de 1 milhão de homens, mulheres e crianças.

Ao chegar ao Planalto, a primeira promessa de Lula aos sem-terra foi justamente priorizar o assentamento dos acampados. Neste ano, ao concluir sua gestão, terá mais sem-terra nessas condições do que quando assumiu a Presidência da República. Passado todo esse tempo, não mudou muita coisa.

E.M: O que dificulta a desconcentração de terra no Brasil?

A.S: Em minha opinião, o que está faltando é vontade política, porque dinheiro para os "heróis", como Lula chamou os empresários do agronegócio, nunca faltou. Já para os sem terra, é muito difícil conseguir esse mesmo dinheiro.

E.M: Existe algum veículo (site , jornal, correio eletrônico) de divulgação do movimento? Qual?

A.S: Infelizmente não. O MLST, nessa área, é muito debilitado. Nossas comunicações, mesmo internas, são muito precárias.

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