Às vezes ouvimos falar por aí que o comunicador deve ser neutro, imparcial; deve apenas ser o “instrumento” da comunicação. Mas será que funciona assim mesmo? Se fizermos uma analogia entre o comunicador e o músico, por exemplo, podemos relativizar estas afirmações.
O comunicador, assim como o músico, é um artista. Precisa lapidar a palavra, a escrita, a imagem, ou seja, a mensagem que pretende passar. Essa mensagem, por sua vez, está relacionada a algumas decisões preestabelecidas. Vamos supor que o músico, ao participar de uma apresentação artística em que há um maior envolvimento com o público, escuta alguém lhe dizendo:
- Toca "tal" música aí! (a que ele sempre toca)
Trata-se de um pedido feito pelos espectadores, mas a canção já estava prevista no roteiro. Afinal, o músico segue sempre o mesmo repertório proposto pelos organizadores do espetáculo e, estes, procuram agradar o público da forma mais rentável possível. O repertório já está inculcado na memória de todos e, por isso, as escolhas são previsíveis.
Agora, façamos o seguinte: imaginemos que a platéia, quase absoluta, - não toda porque isto é impossível - proteste:
-Não. Toca “outra” musica aí!
Dessa vez, o pedido é elaborado pela maioria do público e não era esperado. Neste momento, temos duas situações diferentes. O músico terá de escolher qual das canções irá tocar, ou, pelo menos, qual irá privilegiar como sendo a primeira. Não se pode tocar as duas ao mesmo tempo. A interpretação do artista é pessoal, mas a mensagem está carregada de escolhas, preferências e conteúdo ideológico. Será que isso não ocorre também na prática dos meios de comunicação?
O comunicador
Vamos supor que o comunicador se depare com uma situação semelhante, evidentemente dentro de um contexto diferente. Ele possui o “instrumento”, não é o “instrumento”. Assim como o músico utiliza a voz, o violão, o piano - entre outros - o comunicador faz uso de câmeras, microfones, computadores. Ambos podem escolher o instrumento que vão usar e qual parcela do público irão ouvir ao transmitir a mensagem, seja através da música ou da mídia.
O músico pode optar por ouvir um grupo da platéia que está cansado do habitual, ou seguir as ordens de quem está patrocinando o “show”; já o comunicador pode decidir entre escutar a diversidade de vozes responsáveis por formatar um acontecimento, ou resignar-se a seguir as instruções de quem exerce alguma forma de autoridade sobre ele. Neste bojo, podemos considerar os editores e proprietários de um determinado meio de comunicação, mas é preciso destacar, principalmente, os anunciantes.
Escolha
A escolha é o ponto fundamental desta análise. Ao decidir escutar a voz que dissente, seja ela qual for, o comunicador se porta como um “instrumentista”, ou seja, como alguém que dá forma ao instrumento. Ele pode usá-lo para atender diversos interesses. Precisa tomar decisões das quais irá sentir-se parte do processo de transformação da sociedade. Jamais será imparcial.
Sejamos como o músico que, por viver em uma sociedade produtora de sucessos, não tem a fama dos considerados "grandes músicos". Mesmo assim está com sua consciência tranqüila, porque houve a maioria da platéia, tornando-a parte do espetáculo. Não somos neutros. Não somos instrumentos, somos instrumentistas. Devemos utilizar a técnica no sentido de incluir, na formatação das matérias, aqueles que estão afastados de todo o processo corporativo pelo qual são orientadas as produções jornalisticas.
Espectadores
Os espectadores "pagam caro" pelo “show” e, muitas vezes, nem mesmo estão lá para assisti-lo. Eles precisam ser ouvidos e respeitados. O Comunicador não pode se submeter a todas as regras impostas; precisa resistir, interferir, mudar e instrumentalizar a comunicação à favor das classes subalternas, dando vez e voz para os não midiatizados. O caráter comercial das produções midiáticas tonifica a parcialidade indiscutível da chamada "grande mídia". Grande apenas em sua riqueza econômica.
A única preocupação dos "donos da mídia", criadores de espetáculos duvidosos, é com a mercadoria audiência. Seguindo esta lógica, infelizmente, os profissionais das megacorporações se deixam instrumentalizar para ouvir apenas seus patrocinadores, ou melhor, os seus patrões.
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