O dia 23 de agosto de 2010 ficará na memória dos trabalhadores da região de São Bernardo e Diadema. Mais do que conquistar a concessão de um canal educativo no município de Mogi das Cruzes, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC tem a oportunidade de pôr em prática uma nova forma de se comunicar com a sociedade. Na década de 1980, a TV dos Trabalhadores (TVT) atuava como produtora de vídeos e registrava os acontecimentos mais importantes da luta sindical pela redemocratização do país. De lá para cá muita coisa mudou. Um dos principais líderes da entidade, Luís Inácio Lula da Silva, chegou à Presidência da República e, de certa forma, essa mudança no cenário político acabou propiciando a obtenção da outorga junto ao Governo Federal.
A antiga política de concessões
A conquista do canal deve ser saudada, afinal, foram mais de duas décadas de pressão junto aos governos de turno e muitas negativas. No entanto, essa discussão passa, necessariamente, pelo atual formato de distribuição de outorgas, tanto de canais de televisão, quanto de emissoras de rádio, o qual está completamente defasado. A legislação que rege a radiodifusão no Brasil ainda remete ao Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), de 1962. Cinco anos mais tarde, durante a ditadura militar, o Decreto de Lei nº 236 passava a definir em seu art. 13 que a televisão educativa deveria se destinar apenas à divulgação de programas educacionais, ou seja, transmissão de aulas, conferências, palestras e debates, bem diferente do que se verifica hoje e dos propósitos de comunicação pública contemporânea.
Bem ao gosto dos déspotas de plantão, as limitações desse formato imposto aos canais educativos viabilizariam o controle do conteúdo veiculado e afastariam o fantasma da disputa de publicidade entre as emissoras público-estatais e as concessionárias públicas, atuantes sob o paradigma comercial. Contudo, não demorou para o governo perceber o ótimo negócio que estaria fazendo ao permitir, direta ou indiretamente, o patrocínio de programas transmitidos em canais ditos educativos. Foi assim que, em 1986, através da Lei Sarney, autorizou-se o incentivo fiscal para produções audiovisuais oriundas de canais educativos. Posteriormente essa determinação legal foi revogada, mas, em 1991, a Lei Rouanet terminou por restabelecê-la e aprimorá-la, pois a nova política de incentivos fiscais abriu definitivamente o espaço para as empresas privadas nos canais educativos. Assim, pessoas jurídicas receberam o amparo legal para aplicar uma parte do seu Imposto de Renda (IR) em ações culturais.
Diante disso, cabe refletir sobre o que diferencia, na prática, as emissoras educativas das comerciais. Talvez a proposta de produção de conteúdos e a política de comunicação da TVT possam ajudar a responder essa questão. A idéia da emissora é instigante e provocadora. Pela primeira vez na história da comunicação sindical brasileira, evidencia-se que uma experiência midiática pode concretizar-se em um espaço de luta atualizado ao contexto comunicacional e político vivido. Entende-se que um projeto de comunicação sindical deve estar comprometido com objetivos públicos, o que passa por controle e gestão democrática, com repercussão sobre a programação e o abrigo da diversidade, ainda que a tendência tradicional seja de um modelo unidirecional e fechado, reproduzindo o sistema hegemônico.
Programação e interatividade
Além de contar com produção própria de aproximadamente uma hora e meia de programação diária, a TVT está atenta às demandas da convergência digital e retransmite seus conteúdos, em tempo real, via internet. Programas voltados ao direito do consumidor, previdência social, tributação de impostos, saúde do trabalhador, meio ambiente, inclusão digital, redes sociais, enfim, todos os temas da agenda atual de discussões a nível local e global, estão sendo incorporados neste primeiro momento. Pensando em incentivar a participação da comunidade, a TVT pretende, ainda, disponibilizar câmeras de vídeo aos movimentos sociais, distribuindo os aparelhos na base dos metalúrgicos do ABC, para que, assim, os trabalhadores possam ajudar na construção das reportagens. Seguindo nessa direção, as redes sociais também estão sendo pensadas como espaços de interação com os telespectadores; por isso, foram criados perfis no Orkut, Faceboock e Twitter.
De início, são sete programas, priorizando o conteúdo jornalístico e o acervo da emissora. Seu Jornal, Memória e Contexto, Bom para Todos, Clique Ligue, Melhor e Mais Justo, ABCD Maior em Revista e Boa Gente compõem a programação própria da TVT. Para completar a grade foi estabelecida uma parceria com a TV Brasil, canal público-estatal ligado à Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A internet aparece neste cenário como principal aliada na divulgação dos conteúdos produzidos pela TV dos Trabalhadores, sobretudo na obtenção de um público telespectador mais crítico. Sabe-se que apostar nas novas mídias como um espaço de diálogo com a comunidade não é nenhum diferencial em relação à mídia hegemônica, contudo, a participação do público e sua potencial capacidade de tornar-se co-arquiteto das produções audiovisuais configuram-se como alternativa ao modelo de comunicação atual, incluindo-se nesse bojo as próprias emissoras educativas.
Portanto, é indiscutível o protagonismo da TVT enquanto canal de televisão alternativo e, quiçá, contra-hegêmonico. Disputa que não pode se reduzir na forma de conceber o conteúdo audiovisual, ou seja, na administração das técnicas de produção e, até mesmo, distribuição dos programas. O potencial transformador dessa nova manifestação midiática pode, e deve, manifestar-se na perspectiva da organização sindical de abrir espaço para a participação da comunidade. A parceria com canais públicos, o olhar para as novas tecnologias e a aproximação com a base da categoria dão pistas de que, enfim, o movimento sindical também está assumindo a responsabilidade pela democratização da comunicação no Brasil, em seu plano prático. Um exemplo a ser seguido e acompanhado com solidariedade e disposição para seu avanço, por parte da Academia e de toda a sociedade brasileira.
Texto originalmente publicado no site Observatório da Imprensa
A antiga política de concessões
A conquista do canal deve ser saudada, afinal, foram mais de duas décadas de pressão junto aos governos de turno e muitas negativas. No entanto, essa discussão passa, necessariamente, pelo atual formato de distribuição de outorgas, tanto de canais de televisão, quanto de emissoras de rádio, o qual está completamente defasado. A legislação que rege a radiodifusão no Brasil ainda remete ao Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), de 1962. Cinco anos mais tarde, durante a ditadura militar, o Decreto de Lei nº 236 passava a definir em seu art. 13 que a televisão educativa deveria se destinar apenas à divulgação de programas educacionais, ou seja, transmissão de aulas, conferências, palestras e debates, bem diferente do que se verifica hoje e dos propósitos de comunicação pública contemporânea.
Bem ao gosto dos déspotas de plantão, as limitações desse formato imposto aos canais educativos viabilizariam o controle do conteúdo veiculado e afastariam o fantasma da disputa de publicidade entre as emissoras público-estatais e as concessionárias públicas, atuantes sob o paradigma comercial. Contudo, não demorou para o governo perceber o ótimo negócio que estaria fazendo ao permitir, direta ou indiretamente, o patrocínio de programas transmitidos em canais ditos educativos. Foi assim que, em 1986, através da Lei Sarney, autorizou-se o incentivo fiscal para produções audiovisuais oriundas de canais educativos. Posteriormente essa determinação legal foi revogada, mas, em 1991, a Lei Rouanet terminou por restabelecê-la e aprimorá-la, pois a nova política de incentivos fiscais abriu definitivamente o espaço para as empresas privadas nos canais educativos. Assim, pessoas jurídicas receberam o amparo legal para aplicar uma parte do seu Imposto de Renda (IR) em ações culturais.
Diante disso, cabe refletir sobre o que diferencia, na prática, as emissoras educativas das comerciais. Talvez a proposta de produção de conteúdos e a política de comunicação da TVT possam ajudar a responder essa questão. A idéia da emissora é instigante e provocadora. Pela primeira vez na história da comunicação sindical brasileira, evidencia-se que uma experiência midiática pode concretizar-se em um espaço de luta atualizado ao contexto comunicacional e político vivido. Entende-se que um projeto de comunicação sindical deve estar comprometido com objetivos públicos, o que passa por controle e gestão democrática, com repercussão sobre a programação e o abrigo da diversidade, ainda que a tendência tradicional seja de um modelo unidirecional e fechado, reproduzindo o sistema hegemônico.
Programação e interatividade
Além de contar com produção própria de aproximadamente uma hora e meia de programação diária, a TVT está atenta às demandas da convergência digital e retransmite seus conteúdos, em tempo real, via internet. Programas voltados ao direito do consumidor, previdência social, tributação de impostos, saúde do trabalhador, meio ambiente, inclusão digital, redes sociais, enfim, todos os temas da agenda atual de discussões a nível local e global, estão sendo incorporados neste primeiro momento. Pensando em incentivar a participação da comunidade, a TVT pretende, ainda, disponibilizar câmeras de vídeo aos movimentos sociais, distribuindo os aparelhos na base dos metalúrgicos do ABC, para que, assim, os trabalhadores possam ajudar na construção das reportagens. Seguindo nessa direção, as redes sociais também estão sendo pensadas como espaços de interação com os telespectadores; por isso, foram criados perfis no Orkut, Faceboock e Twitter.
De início, são sete programas, priorizando o conteúdo jornalístico e o acervo da emissora. Seu Jornal, Memória e Contexto, Bom para Todos, Clique Ligue, Melhor e Mais Justo, ABCD Maior em Revista e Boa Gente compõem a programação própria da TVT. Para completar a grade foi estabelecida uma parceria com a TV Brasil, canal público-estatal ligado à Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A internet aparece neste cenário como principal aliada na divulgação dos conteúdos produzidos pela TV dos Trabalhadores, sobretudo na obtenção de um público telespectador mais crítico. Sabe-se que apostar nas novas mídias como um espaço de diálogo com a comunidade não é nenhum diferencial em relação à mídia hegemônica, contudo, a participação do público e sua potencial capacidade de tornar-se co-arquiteto das produções audiovisuais configuram-se como alternativa ao modelo de comunicação atual, incluindo-se nesse bojo as próprias emissoras educativas.
Portanto, é indiscutível o protagonismo da TVT enquanto canal de televisão alternativo e, quiçá, contra-hegêmonico. Disputa que não pode se reduzir na forma de conceber o conteúdo audiovisual, ou seja, na administração das técnicas de produção e, até mesmo, distribuição dos programas. O potencial transformador dessa nova manifestação midiática pode, e deve, manifestar-se na perspectiva da organização sindical de abrir espaço para a participação da comunidade. A parceria com canais públicos, o olhar para as novas tecnologias e a aproximação com a base da categoria dão pistas de que, enfim, o movimento sindical também está assumindo a responsabilidade pela democratização da comunicação no Brasil, em seu plano prático. Um exemplo a ser seguido e acompanhado com solidariedade e disposição para seu avanço, por parte da Academia e de toda a sociedade brasileira.
Texto originalmente publicado no site Observatório da Imprensa
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