Enfim foi instituída a Lei Federal 12.485. A antiga PL-29, que ao passar pelo Senado transformou-se em PLC-116, enfrentou um árduo caminho até ser sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. Contudo, ao contrário do que pretende fazer crer a chamada “grande mídia”, esta legislação faz mais do que apenas determinar novas regras para o sistema de TV por assinatura. Na prática, amplia o mercado das comunicações ao capital internacional, promovendo a polarização da disputa política por espaços de atuação junto à sociedade.
Sem mais delongas, permita o leitor que se comece pelo que há de bom nessa história. Em sintonia com as reivindicações apresentadas durante a 1º Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), a nova lei estipula cotas de três horas e meia para a produção de conteúdo nacional, inclusive em canais estrangeiros. Deste modo, ao mesmo tempo em que abre o mercado de TV paga às operadoras de telefonia fixa, impõe regras que visam fomentar o audiovisual independente.
Além disso, foram asseguradas conquistas obtidas na década de 1990, durante a criação da Lei do Cabo. De acordo com o artigo 32 da referida Lei, as prestadoras de serviço devem disponibilizar, em todos os pacotes ofertados, canais de interesse público. Neste bojo, encontram-se as emissoras dos poderes legislativo, executivo e judiciário – que possuem programação de excelente qualidade – e, ainda, os canais comunitários e educativos. No caso destes últimos, embora nem sempre apresentem conteúdos coerentes com as suas atribuições específicas, continuam sendo locais de constante disputa na concretização da diversidade cultural e pluralidade informativa.
Os grandes beneficiados pelas alterações legislativas são agentes econômicos com forte poder de lobby junto ao Congresso, Senado e Governo Federal. Em relação aos aspectos tributários, por exemplo, ao entrarem no mercado de TV por assinatura as teles passam a se beneficiar com a redução de pagamento ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), mas, em contrapartida, são oneradas com a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), como ocorre com toda distribuidora de conteúdo. É desta última, inclusive, que provém o fomento para a produção nacional.
Cabe ressaltar que as adequações burocráticas não visam atender apenas aos interesses dos grupos de mídia estrangeiros. Não é de hoje que o governo de turno procura fazer oposição aos principais conglomerados de mídia que atuam no país. A entrada de parceiros estratégicos no mercado audiovisual pode ajudar nesse sentido e, de certa forma, tal processo é legítimo. Principalmente se considerarmos a existência de um monopólio discursivo, originado pelo formato oligopólico do setor, sem regulamentação adequada por parte do Estado. No entanto, a proximidade do governo com a Portugal Telecom, processo que teve início ainda no ano passado com a aquisição de aproximadamente 20% da Oi, começa a polarizar a disputa político-midiática sem promover o efetivo protagonismo de segmentos sociais excluídos pelos meios de comunicação dominantes.
Nessa direção, atenta-se para a ligação do ex-ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu, com grupos de mídia portugueses. A aprovação da Lei 12.485 incentiva a concorrência, bem ao gosto do neoliberalismo. Sendo assim, esta articulação não é apenas comercial, mas, sobretudo, política. A esposa de Dirceu, Evanise Santos, é Diretora do Departamento de Marketing do jornal Brasil Econômico, publicação que pertence à Empresa Jornalística Econômico S.A (Ejesa), a qual, além do periódico em questão, mantém os jornais O Dia, Meia Hora e Marca Campeão. A acionista majoritária da Ejesa, dona de 70% de participação, é a brasileira Maria Alexandra Mascarenhas Vasconcellos. O restante das ações pertence à Ongoing, grupo português cujo presidente é o seu marido, Nuno Vasconcellos. Por incrível que pareça, a extensão do casamento para o campo dos negócios não ultrapassa os marcos legais. Em casos como esse a legislação brasileira permite 30% de participação estrangeira, mas nada fala sobre as brechas deixadas para tais “aquisições conjugais”.
Considerando o cenário atual, é estarrecedor perceber que, em última análise, o governo esta reduzindo a luta pela democratização da comunicação a um embate político-partidário. A disposição é, tão somente, obter maior influência nos grupos de mídia nacionais para combater as empresas de comunicação anti-petistas, sejam elas declaradas ou não. Os principais conglomerados brasileiros, muitos deles responsáveis por apoiar o golpe militar de 1964, seguem emplacando matérias anti-democráticas e torcendo o nariz para qualquer possibilidade de criação de um novo marco regulatório. Enquanto isso, equivocadamente, o governo tenta erigir um flanco de batalha que opera sob a lógica liberal, historicamente incorporada pelos meios de comunicação dominantes. Para que a regulamentação também não siga por este caminho - e, infelizmente, tudo indica que já caminha nessa direção - será preciso maior disposição em trazer para o debate setores da sociedade constantemente criminalizados pela “grande mídia”. Caso contrário, estará se condenando o cidadão a mero consumidor. Suas principais decisões ficarão restritas a escolha pela operadora que oferece a “convergência de serviços mais em conta”, ou ainda, como declarou a presidenta Dilma recentemente, a “seletividade de conteúdos permitida pelo uso do controle remoto”.
Originalmente publicado em: IMA - Estudos Políticos